Projeto Desertec: Primavera Árabe reanima o sonho de alimentar Europa com energia do deserto
Planta solar no deserto, próxima a Las Vegas, EUA
A Desertec é uma iniciativa de bilhões de dólares que pretende suprir a demanda energética europeia com energia solar do deserto do Saara. As recentes revoltas no norte da África colocaram em questão o projeto. Mas muitos especialistas afirmam que a Primavera Árabe na verdade vai ajudar a grande visão da Desertec a se tornar realidade.
As imagens projetadas na parede da sala de conferência eram fotos conhecidas de manifestantes com rostos jovens, ao lado das expressões duras das forças de segurança em roupas escuras. Mas desta vez não era uma discussão sobre as causas do levante ou o potencial revolucionário da internet. Era uma conferência sobre energia solar: mais especificamente a Desertec, iniciativa energética extremamente ambiciosa que pretende aproveitar o sol do Saara para produzir energia limpa em abundância.
A Desertec pode ser rotulada de o megaprojeto de energia do século 21, mas alguns críticos afirmam que os tumultos da Primavera Árabe vão pôr fim a esses sonhos. Entretanto, em uma importante conferência em Berlim esta semana sobre a Desertec e os levantes no mundo árabe, especialistas manifestaram otimismo sobre o impacto das revoluções para o futuro do projeto. Muitos veem o recente impulso pró-democracia como um passo em direção à estabilidade necessária para implementar na região projetos como a Desertec.
Rede de distribuição proposta no projeto Desertec
“Muitos críticos estão dizendo que o projeto Desertec morreu por causa dos levantes na região. Mas eu diria exatamente o contrário”, explicou a “Spiegel Online” Kirsten Westphal, uma especialista em energia do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP na sigla em alemão). Ela afirma que um movimento pró-democracia só pode ampliar oportunidades e depositar bases para um desenvolvimento econômico em longo prazo.
Suprindo a demanda europeia
O projeto Desertec foi anunciado em 2009 e deixou especialistas em energia e o público muito interessados. A ideia grandiosa é construir uma rede de sistemas de energia solar-térmica concentrados nos desertos do norte da África para produzir eletricidade limpa, que poderá ser usada em nível local e ser exportada para países europeus.
Os proponentes do projeto argumentam que a quantidade de energia solar que incide sobre o Saara é tão enorme que usinas cobrindo 90 mil km2 do deserto – uma pequena fração de sua área total de 9 milhões de km2 – poderia suprir as necessidades do mundo inteiro. A Desertec espera que o projeto forneça uma parte significativa da demanda elétrica da região e do Oriente Médio até 2050, além de fornecer 15% da eletricidade usada na Europa.
O projeto, que deverá custar cerca de 400 bilhões de euros (US$ 566 bilhões) e que ainda está em fase de planejamento, é promovido pela Fundação Desertec, sem fins lucrativos, juntamente com a Iniciativa Industrial Desertec (DII). Esta é um consórcio industrial que inclui grandes atores alemães como Deutsche Bank, Siemens, E.on e Munich Re. Ele pretende criar o “quadro legal, regulatório, econômico e técnico” que permitirá que a visão da Desertec se torne realidade.
Estabilidade necessária
O plano da DII foi recebido com entusiasmo por alguns, incluindo a chanceler alemã, Angela Merkel. Mas outros o rejeitaram como irreal, afirmando que é caro demais ou tecnicamente inexequível. Outros indicam os problemas políticos associados à realização de um enorme projeto multinacional em uma parte tão instável do mundo.
De fato, os participantes da conferência de Berlim afirmaram que, diante do atual levante na região, um certo nível de estabilidade deve ser alcançado antes que a Desertec possa concretizar seus planos. “Não posso colocar mil homens para proteger cada painel solar”, disse Abdelaziz Bennouna, ex-membro do Centro Nacional para Ciência e Tecnologia do Marrocos. “A paz social é imprescindível.”
Os tumultos na região também têm a capacidade de assustar os investidores, aponta Andree Böhling, do Greenpeace da Alemanha. No entanto, Böhling acredita que a democratização é um passo na direção certa, tanto para a população da região como para a Desertec.
Mas a democracia precisa ser estabilizada na região antes que a Desertec tenha uma possibilidade de sucesso? Não, diz Westphal, da SWP: “O desenvolvimento socioeconômico e o desenvolvimento da democracia andam juntos”. Projetos como o da Desertec promovem o tipo de desenvolvimento econômico que é um prerrequisito essencial para consolidar as estruturas democráticas em um país, afirma a pesquisadora.
“Elefante branco”
Apesar do otimismo geral sobre o impacto da Primavera Árabe para o futuro da Desertec, outras questões servem de lembrete de que a Desertec e a DII ainda têm muito trabalho a fazer antes de se instalar no Saara. Investimentos europeus em recursos energéticos no norte da África inevitavelmente provocam denúncias de neocolonialismo. E, depois de combater pela democracia, é improvável que a população jovem de países como o Egito aprove que empresas europeias ponham as mãos nos recursos locais.
“É um elefante branco no deserto”, disse Marc Jedliczka, diretor geral da Hespul, uma organização francesa dedicada ao estudo da energia renovável e eficiência energética. Ele argumentou que um projeto iniciado por europeus que pretende captar – e eventualmente exportar – recursos energéticos africanos é profundamente problemático.
Os representantes da Desertec reagem rapidamente a qualquer acusação de agenda neocolonialista. Eles enfatizam que o projeto pretende em primeiro lugar garantir a energia solar para a população local antes de exportá-la para a Europa ou outro lugar. Mas muitos compartilham as preocupações de Jedliczka.
Kirsten Westphal, da SWP, considera essencial ter uma discussão aberta sobre a questão. “A opinião comum [no Oriente Médio e norte da África] é que a Desertec tem uma agenda oculta, em vez de produzir uma situação em que todos saem ganhando”, diz ela. Böhling, do Greenpeace, também indicou a necessidade de enfrentar os receios de interesses colonialistas através de um diálogo franco.
Promovendo transparência
A conferência da Desertec realizada em Berlim esta semana se destinava exatamente a abrir esse tipo de diálogo público e promover a transparência. O que talvez seja mais importante é levar a discussão aos países do norte da África. Com isso em mente, a DII pretende realizar uma conferência no Cairo no início de novembro, com oradores importantes como o ex-ministro alemão do Meio Ambiente Klaus Töpfer e o comissário de Energia da UE, Günther Oettinger.
A Desertec espera que fóruns públicos como esses consigam convencer os céticos de que seus motivos são honrosos. Até que o projeto se concretize, porém, deverá haver dúvidas. “Energia do deserto para a população” foi o título do evento em Berlim. Mas talvez seja compreensível se os interessados no norte da África e no Oriente Médio estiverem se perguntando: que população? (EcoDebate)
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