Uma informação publicada em 27/04/11, num levantamento sobre energia nuclear assinado por Karina Ninni, começa a provocar fortes reações e manifestações públicas em Goiás. Já constava do levantamento que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) estuda a possibilidade de depositar em Abadia de Goiás, a 27 quilômetros de Goiânia e a 200 de Brasília, “rejeitos radiativos de baixa e média intensidade, subprodutos de atividade radiativa” das usinas nucleares de Angra I e II. E em Abadia de Goiás já está o depósito de mais de 6 mil toneladas de resíduos contaminados pelo acidente com o césio 137 em 1987, que matou quatro pessoas e contaminou mais de mil, incluídos policiais, bombeiros (que trabalharam na remoção) e funcionários da área de saúde (que lidaram com possíveis vítimas).
A prefeitura de Abadia de Goiás está indignada. Recebe menos de R$ 20 mil por mês da Comissão Nacional de Energia Nuclear por haver, na emergência, cedido o local para remover do centro de Goiânia os resíduos. Ali um depósito foi construído, acima do solo – porque o lençol freático praticamente à superfície não permitia aprofundá-lo. E de temporário passou a definitivo, porque nenhum lugar no Brasil o aceitava – a ponto de goianos serem apedrejados em outras cidades quando as placas de seus veículos eram identificadas. Agora, sobrevém o temor de que o novo depósito não só seja definitivo, como abrigue os resíduos mais perigosos de Angra I e II, que permanecerão ativos durante séculos (e hoje estão depositados em piscinas nas próprias usinas). E até os de Angra III, porque a licença para sua implantação estabeleceu como condicionante que haja um depósito definitivo – que não existe em lugar nenhum no mundo; mesmo os Estados Unidos, que já investiram mais de US$ 100 bilhões para instalar um depósito 300 metros abaixo do solo na Serra Nevada, não conseguem liberá-lo na Justiça, que considera insuficientes as garantias.
Que fará a CNEN, já que o seu projeto é de construir mais quatro usinas nucleares no Brasil, fora Angra III, mesmo enfrentando fortes resistências? A própria usina de Angra III já é vista com ressalvas claras pelo cientista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e um dos coordenadores da área do clima no País, que, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, afirmou que a sua localização deveria ser revista, uma vez que os cientistas apontam evidências claras de elevação do nível do mar no litoral fluminense.
Talvez se argumente que para o depósito projetado iriam apenas “filtros, resinas, água e equipamentos de proteção pessoal com contaminação de média intensidade”, que serão transportados em caminhões (!). Mas há uma resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente goiano que, segundo o presidente da Agência Municipal de Goiânia, Clarismino Pereira Júnior, “impede a transformação do depósito de Abadia de Goiás em repositório nacional” (O Popular, 21/5). Outro temor é de que receba os resíduos mais perigosos de Angra, inclusive de Angra III – embora este projeto esteja com problemas, pois o financiamento para os equipamentos da usina parece ameaçado (O Globo, 6/5).
Essas pressões são parte de uma tendência mundial após o desastre de Fukushima, no Japão: 54% das pessoas ouvidas em muitos países pelo instituto Global WIN manifestaram-se contra a energia nuclear – 90% na Áustria, 89% na Grécia, 75% na Itália, 64% na Alemanha. E 54% no Brasil (Estado, 19/4). A conceituada revista New Scientist (26/3) afirma até que a energia nuclear “precisa cortar o cordão umbilical com a área militar”, embora até 2015 mais 18 usinas devam entrar em atividade, somando-se às 437 já em atividade, 50% das quais na Europa Ocidental. Mas já em 2010, diz o WorldWatch Institute em seu relatório anual, as novas fontes de energia eólica, de biomassas, de resíduos e solar, juntas, suplantaram, com 381 gigawatts, os novos projetos de usinas nucleares (375 gigawatts). O investimento para isso foi de US$ 243 bilhões.
Em 22 anos 130 usinas nucleares fecharam as portas. A Alemanha já determinou a suspensão das atividades de todas as que tenham mais de 30 anos e até 2022 deixará de usar energia nuclear (Estado, 31/5). A Bélgica e a Suíça estudam “estratégias de saída”, assim como o Chile. A China suspendeu novos projetos e os Estados Unidos descartaram dois novos reatores no Texas. “As consequências de Fukushima para a indústria nuclear serão devastadoras”, diz o WorldWatch Institute. Ainda mais lembrando que em 80 anos deverão estar esgotadas as reservas mundiais de urânio.
Tudo pode complicar-se mais ainda com a revelação pela empresa Tepco, de Fukushima, de que, na verdade, três dos seis reatores se derreteram – não é possível sequer levar técnicos para as proximidades da usina, tal o nível de radiação (Fukushima, como Angra, mantém os resíduos reativos em piscinas). E também com as últimas informações sobre o agravamento da crise econômica japonesa, já que o desastre nuclear levou o PIB do primeiro trimestre a cair ali 3,7% em relação ao primeiro trimestre de 2010. E para completar, em abril o mundo relembrou, 25 anos depois, o desastre de Chernobyl, que matou 31 pessoas e atingiu mais de 1 milhão. Até hoje persistem problemas, porque a cobertura construída sobre o reator danificado precisa ser substituída. E a Ucrânia não tem recursos (Agência Estado, 27/4) – a ponto de vítimas que residem nas proximidades receberem apenas US$ 4 por mês.
Como têm observado, inclusive nesta página, vários especialistas, o Brasil tem várias alternativas em matéria de energia, algumas já mais baratas que a nuclear (como a eólica, por exemplo). E pode economizar muito do que consome. Não precisa continuar atado a uma forma de energia mais cara, muito mais perigosa e sem destinação para resíduos altamente perigosos, como a nuclear. (EcoDebate)
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