Transmissão a longas distâncias no Brasil e na China: desafios em comum
O tema transmissão a longas distâncias foi abordado de forma ampla e minuciosa no seminário “Alternativas Não-Convencionais para a Transmissão de Energia Elétrica em Longas Distâncias”, realizado em fevereiro, na Universidade de Brasília, como parte de um projeto de P&D institucional da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Na chamada pública para este projeto de P&D institucional, a Eletrobras Eletronorte ficou com a coordenação do mesmo. Este seminário contou com uma audiência de mais de 300 técnicos do setor elétrico, entre os quais engenheiros da Eletrobras e de suas subsidiárias. O encontro contou ainda com apresentações bastante detalhadas de representantes da State Grid Corporation of China (SGCC), que trouxeram números impressionantes sobre o setor elétrico chinês.
Estas apresentações ressaltaram que, atualmente, a potência instalada em todo o sistema elétrico chinês é cerca de nove vezes a potência instalada no Brasil: cerca de 980 gigawatts (GW), contra 110-115 GW no Brasil. Pelo planejamento da expansão da SGCC, será necessário dobrar esse número até 2020. Isso significa colocar em funcionamento, a cada ano, uma capacidade instalada praticamente igual à capacidade total de geração existente em nosso SIN (Sistema Interligado Nacional).
Assim como no Brasil, também na China os potenciais de geração ainda a serem explorados estão distribuídos de forma desequilibrada pelo território. Na China, as grandes reservas de carvão mineral situam-se ao norte do país, na região próxima à Mongólia. Já o grande potencial hidrelétrico a ser explorado encontra-se na região sudoeste, onde estão as cadeias de montanhas da cordilheira do Himalaia. Os rios que ali nascem fazem da China o país de maior potencial hidrelétrico do mundo.
Cabe destacar que hoje em dia a base da geração elétrica na China é de termelétricas a carvão, e terá que continuar assim pelo menos na próxima década, por mais que ocorra crescimento da participação de fontes de energia renováveis, como hidrelétricas e eólicas, na matriz elétrica chinesa. Quanto a fontes de geração eólica, a China atualmente é o país que tem a maior capacidade de geração instalada no mundo, e o que coloca em operação o maior número de novas plantas eólicas por ano. Por outro lado, os grandes centros de carga na China situam-se na região leste do país, ao longo da costa do mar da China (Pequim, Xangai e Hong-Kong) e em partes da região central.
Em função dessas características territoriais e da necessidade de grande crescimento da capacidade instalada, a taxas anuais muito elevadas, não há outra alternativa para a expansão do sistema de transmissão chinês a não ser a utilização das novas tecnologias de UAT (ultra-alta tensão): em corrente alternada – acima de 1.000 kV – ou em corrente contínua – igual ou acima de 800 kV. Isso porque essas tecnologias têm uma capacidade significativamente maior para transmitir grandes blocos de potência a longas distâncias do que as alternativas convencionais de transmissão (seja em corrente alternada, seja em corrente contínua).
No Brasil, há grandes semelhanças com as características territoriais do sistema elétrico chinês (distribuição desequilibrada entre os potenciais de geração – na Amazônia legal ao norte – e os grandes centros de carga – ao longo do litoral). A necessidade de crescimento da capacidade instalada, a taxas também altas, é outra semelhança. O aproveitamento do grande potencial hidrelétrico existente na Amazônia poderá ensejar alternativas muito atrativas de expansão da transmissão com o emprego da tecnologia de UAT (seja em corrente alternada, seja em corrente contínua). O emprego da tecnologia de UAT é interessante sob os pontos de vista técnico, econômico e ambiental (já que a supressão da vegetação é significativamente menor que nas tecnologias de transmissão convencionais, quando considerado o transporte de uma mesma quantidade elevada de potência).
Pela necessidade apontada de grande expansão do sistema de transmissão da China, esse país já dispõe atualmente de conhecimentos e domínio tecnológico amplo quanto à tecnologia de transmissão em UAT, tendo inclusive colocado recentemente em operação grandes sistemas como projetos-piloto. O Brasil pode se beneficiar de uma cooperação técnica nesse campo de conhecimento. Por outro lado, a China está interessada em uma cooperação técnica com o Brasil na tecnologia de transmissão não convencional chamada de “meia onda +” (linha de transmissão em corrente alternada com cerca de 2,5 mil km ponto a ponto, o que é impossível de se conseguir com a tecnologia convencional de transmissão em corrente alternada em extra alta tensão – até 800 kV, ou mesmo em UAT – acima de 1.000 kV).
O seminário também abordou aspectos técnicos da transmissão em corrente contínua multiterminal, considerada não convencional, e bem mais complexa do ponto de vista tecnológico do que a transmissão em corrente contínua ponto a ponto (convencional). Nesse tema, o SGCC também propõe ao Brasil cooperação técnica para o desenvolvimento do conhecimento quanto a sistemas em corrente contínua multiterminal, para integração do potencial hidrelétrico da Amazônia.
Também foram apresentadas, ao longo do seminário, outras tecnologias de transmissão consideradas ão-convencionais, abordando-se para cada tecnologia os desafios tecnológicos atuais e futuros, além das vantagens/desvantagens de cada uma delas, como:
a) o sistema em meia onda +;
b) sistemas hexafásicos (sistemas constituídos de 6 fases, derivadas do sistema trifásico existente, para ensejar maior possibilidade de compactação e consequente redução de custos);
c) aplicação de supercondutividade na transmissão de energia elétrica (não aplicável a grandes distâncias, mas para zonas de alta urbanização e de alto custo do terreno);
d) armazenamento de energia elétrica sob a forma de gás hidrogênio (a partir de utilização de energia de vertimento do SIN em plantas de eletrólise para produção, armazenamento e transporte de gás hidrogênio, para posterior utilização em células combustíveis, produzindo novamente eletricidade), sendo esta tecnologia uma opção tecnicamente já viável, mas de custo ainda muito elevado;
e) transmissão em corrente contínua utilizando a tecnologia não convencional VSC (Voltage Source Converter). Esta tecnologia já está disponível no mercado mundial, mas apresenta ainda custos mais elevados e maiores perdas por efeito Joule;
f) transmissão em corrente alternada segmentada por dispositivos de eletrônica de potência do tipo FACTS (Flexible Alternate Current Transmission Systems). (ambienteenergia)
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