quarta-feira, 20 de abril de 2011

Crescendo perto de um reator nos EUA

Crescendo perto de um reator nos EUA sob a sombra da incerteza
Central Nuclear de Indian Point
Eu cresci em Buchanan, Nova York, um vilarejo minúsculo, de classe trabalhadora, no norte de Westchester County, na margem leste do rio Hudson, espremido numa curva onde o rio se dobra. Meus pais eram professores de escola pública, e nós vivíamos numa casa de madeira perto do lago Meahagh, criado pelo homem, onde minha irmã e eu amarrávamos nossos patins de gelo todo inverno e fazíamos grandes desenhos de oitos nessa superfície imensa e imperfeita. Buchanan é uma comunidade modesta – o vilarejo em si tem pouco mais de cinco quilômetros quadrados – e quando as pessoas me perguntam de onde eu sou, eu costumo dizer Peekskill ou Croton, as duas cidades de tamanho médio mais próximas. Em geral, Buchanan só é conhecido lá mesmo.
Mas numa ocasião – depois do 11 de setembro, e agora de novo, depois do terremoto e do tsunami no Japão – Buchanan se tornou uma fixação regional. O motivo: o vilarejo abriga a usina nuclear Indian Point. Como a usina fica a apenas 50 quilômetros ao norte do centro de Manhattan, artigos de jornais e revistas têm alardeado seus perigos nessa época de tensão, detalhando todos os motivos pelos quais ela deveria ser fechada, e logo. Mas para os moradores – hoje eu moro no Brooklyn, mas meus pais, tia e tio, todos residem a pouco mais de um quilômetros da usina – a ameaça de Indian Point não é novidade. Afinal, a usina está lá desde 1962.
Quando eu era criança, a usina assombrava minha mente. Seus reatores grandes, com suas cúpulas, pareciam algo peculiar e inquietante, algo que eu não entendia totalmente, embora tivesse ouvido, como acontece com as crianças, que isso tinha algo a ver com brilhar no escuro ou, se você tivesse sorte, manifestar um terceiro globo ocular.
Em determinado momento, minha irmã e eu decidimos que Indian Point era divertida. Periodicamente, a usina testava seu sistema de sirenes de emergência, com seus sons violentos perfurando o ar calmo, e nós gritávamos: “derretimento!” para meus pais, antes de cair no chão gelado da cozinha aos risos. Às vezes nós íamos pescar com nosso pai no lago Meagah, e depois que ele colocava pedaços de pão ou grãos de milho na ponta de nossas linhas, e nós começávamos a pegar percas e outros peixes, nós devolvíamos para a água qualquer um que se parecesse com um “peixe nuclear”. (As qualificações eram arbitrárias.) E, é claro, vez ou outra, por divertimento, nós atribuíamos nossas várias imperfeições (“sua cara de…”) ao envenenamento massivo e irreversível da radiação.
A usina se tornou bem menos divertida depois que minha irmã encontrou uma edição antiga de “Hiroshima”, o livro de John Hersey sobre as consequências da bomba atômica lá, e passou as noites seguintes tremendo em sua cama no quarto do lado do meu, sonhando com intermináveis flashes de luz.
Certamente, a infância em Buchanan tinha suas peculiaridades: os fios de energia se estendiam em todas as direções, nosso armário de remédios sempre continha um frasco de comprimidos de iodeto de potássio, e quando meu pai nos levava para o rio em sua canoa de alumínio, um calor doentio se espalhava pelo chão do barco à medida que remávamos para mais perto da usina. Ainda assim, placas que anunciavam que a usina era segura – “Segura e Essencial”, eles juravam – estavam pregadas nos postes de telefone por todo o centro, e o brasão do vilarejo incluía o símbolo atômico com duas mãos ao lado, segurando ferramentas. Buchanan tinha orgulho de sua usina, e dos cidadãos que a faziam funcionar.
Meu pai cresceu a menos de 3 quilômetros do local onde a usina foi construída, e na época aquele era um lugar idílico chamado Parque de Indian Point – um nome que provocaria duplas interpretações hoje. Nos anos 30 e 40, navios suntuosos vinham da cidade de Nova York pelo Rio Hudson e depositavam turistas bem vestidos no parque, que tinha um salão de danças, uma piscina pública, campos esportivos, áreas de piquenique e brinquedos de parque de diversões. Meu pai se lembra de alcançar os galhos das inúmeras cerejeiras do parque quando era criança, e de encher a boca de frutas maduras.
Francis Stein, diretor da minha escola e amado historiador de Buchanan, guardava cartões postais do parque. Emudecidos pelo aprisionamento, os cartões mostravam turistas alegres andando para o rio, correndo para o salão de danças e fazendo fila para pagar 75 centavos e passear num barco chamado Miss Indian Point V.
Aproximando-se pelo leste, Indian Point fica afastada da estrada para que seus reatores fossem visíveis apenas à distância. Quando eu era pequena, nos estávamos descendo a Broadway de carro em direção à casa da minha tia, onde eu pegava o ônibus escolar quase toda manhã, e eu virei o pescoço no assento de trás do nosso Ford para ver o topo das cúpulas dos reatores – sombrios e largos, assumindo um cor-de-rosa acinzentado à medida que o sol da manhã subia. Dava para vê-los da margem do rio em Peekskill também, mas a melhor vista a era do outro lado de Annsville Creek, perto de onde saíam os caiaques. Lá, as cúpulas (“cúpulas do cúmulo”, brincava minha tia) se erguiam espalhafatosamente no horizonte, estranhas e desajeitadas, frias. Até hoje, essa justaposição – orgânico versus sintético, antigo versus novo – parece agourenta.
Um dia, quando eu ainda estava na escola, minha mãe viu um homem com um saco de equipamentos pesados vagando pelo nosso quintal, sem ser convidado. Minha mãe, que normalmente não tem medo, foi para fora e o confrontou. Atrapalhado e constrangido, ele disse que havia sido enviado para pesquisar nosso terreno – e todas as áreas em torno de Indian Point. Por quê? Ele murmurou alguma coisa sobre “falhas geológicas”.
Eu tinha aprendido um pouco sobre terremotos na escola. Até onde eu sabia, elas diziam respeito a aberturas gigantes, com formato de raio, na terra. Enquanto o homem guardava seus instrumentos e saía, eu comecei a me perguntar como seria se nossa casa escorregasse por uma rachadura no chão.
Aquela preocupação ficou um pouco mais real quando, logo depois da visita do homem, ouvimos dizer que Indian Point ficava perto da Falha de Ramapo, um sistema de fraturas na crosta terrestre, de 300 quilômetros, que serpenteia da Pennsylvania até o vale do Hudson. Então, há apenas poucas semanas, no meio da crise do Japão, vários veículos de notícias reportaram que Indian Point tem o maior risco de danos por causa de um terremoto no país.
Eventualmente, eu fui para a faculdade e não pensei muito mais sobre Indian Point até o verão de 2001, quando estava morando em casa e viajava para ir à Universidade de Columbia. Nos dias logo depois dos ataques de 11 de setembro, eu voltava cansada para o meu carro na estação de Croton-Harmon e tirava os panfletos – que vendiam roupas de proteção e kits para construir seu próprio abrigo nuclear – de baixo dos limpadores de para-brisa. Guardas armados e vestidos com roupas camufladas ficavam na entrada da usina, e toda a área era cercada como uma prisão, com arame farpado.
Logo, a Guarda Nacional começou a acampar na floresta atrás da nossa casa, perto do cemitério onde minha avó está enterrada. No noticiário noturno, assistíamos aos jornalistas ansiosos especularem sobre a vulnerabilidade de Indian Point como um alvo terrorista. Nós mesmos tínhamos conversas sussurradas com os vizinhos sobre se as plantas de construção da usina tinham de fato sido encontrados numa caverna no Afeganistão. Quando eu ficava na sala de estar naquela época, olhando para o lago e bebendo uma xícara de café quente com meu pai, achava que um tanque de guerra poderia passar por ali lentamente a qualquer momento.
Poucos anos depois, minha tia ficou sabendo que tinha câncer na tireóide. Ela se recuperou, mas eu ainda me pergunto se Indian Point contribuiu com a doença. (Ainda precisa haver um estudo definitivo sobre as taxas de câncer na tireóide em Westchester e Rockland e sobre a radiação nuclear local.) Não muito tempo depois, o veterinário encontrou um caroço crescendo na glândula tireóide do nosso velho gato; ele foi tratado, com sucesso, com uma injeção de iodo radioativo. Quando eu vou ao dentista para uma visita de rotina e raios-X, minha mãe ainda me alerta para pedir um protetor para a tireóide, um pedaço extra de avental de chumbo para ser usado em volta do pescoço. Secretamente, eu quero me esconder numa concha como um caranguejo eremita, protegendo meu corpo inteiro de mais radiação.
Eu não moro mais em Buchanan, mas ainda passo boa parte dos finais de semana de verão lá, grelhando hambúrgueres vegetarianos e milho no quintal dos meus pais, ajudando meu pai a plantar batatas, catando carrapatos do meu gato. O vilarejo está recebendo muita atenção agora, mas depois que as equipes de TV e os repórteres voltarem para a cidade grande, ele ficará tranquilo novamente.
E olharemos para aquelas cúpulas e tremeremos, ou daremos de ombros, como fizemos a vida inteira.
Amanda Petrusich é autora de “Lost Songs, Lost Highways, and the Search for the Next American Music” [“Músicas Perdidas, Estradas Perdidas, e a Busca pela Próxima Música Americana”] (Faber & Faber). (EcoDebate)

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