Japão: Meio de vida dos agricultores da região de Fukushima definha com a crise nuclear
Se os líderes do Japão veem o colapso do complexo nuclear de Fukushima Daiichi como a maior crise do país em décadas, Saichi Sato tem uma perspectiva diferente. Do ponto de vista dele, sentado em sua propriedade nesse vilarejo verdejante de 8 mil pessoas, a cerca de 40 quilômetros de Daiichi, esta é a maior crise dos últimos 400 anos, diz ele.
Sato, 59, faz parte da 17ª geração de fazendeiros da família, e é proprietário de 14 acres de estufas e plantações onde ele cultiva arroz, tomates, espinafre e outros vegetais. Ou cultivava. Na semana passada, o governo federal proibiu a venda de produtos agrícolas não só de Towa, mas também de uma faixa do centro-norte do Japão até quase o sul de Tóquio, por medo de que eles tenham sido contaminados pela radiação.
Até agora, Sato deve perder um quinto de sua renda por causa da proibição. Se o governo não puder conter o desastre de Daiichi, ele poderá perder a fazenda da qual sua família cuida desde 1600.
“Mesmo que não seja seguro, preciso da terra para o meu trabalho”, disse ele. “Não tenho outro lugar para ir. Eu nem quero pensar em sair da minha terra.”
Aqui e em outros lugares do município de Fukushima, a região mais atingida pela crise nuclear, os agricultores estão preocupados com o seu futuro – e convencidos, como Sato, de que o governo não está do lado deles.
Em entrevistas, vários moradores disseram que os líderes em Tóquio lidaram mal com o desastre de Daiichi, enviando mensagens conflitantes sobre os perigos da radiação, alimentando o pânico dos cidadãos comuns. E eles também se ressentem com o fato, justificado ou não, de que nesse momento de perigo nacional, as pessoas que estão no poder pensaram primeiro em Tóquio e só depois no interior, que foi mais atingido.
E eles estão sofrendo, claramente. O Japão depende muito de fornecedores estrangeiros para a maior parte de seus alimentos, mas até 80% de todos os vegetais são cultivados no país, e os 70 mil agricultores comerciais de Fukushima produzem mais de US$ 2,4 bilhão por ano de alimentos populares como espinafre, tomates, leite e outros.
A proibição do governo para a venda de produtos agrícolas na semana passada parou o setor daqui – e o de três municípios adjacentes ao sul, Ibaraki, Tochigi e Gunma – logo em seguida. Por toda a região, os fazendeiros estão jogando fora galões de leite e toneladas de vegetais maduros em buracos no solo e nos córregos, incapazes de vender sua produção legalmente no mercado.
“Não posso continuar por muito tempo”, disse Kenzo Sasaki, 70, que ordenha 18 vacas numa propriedade perto da cidade de Fukushima, capital local. Sasaki estima que perderá cerca de US$ 31 mil – sem incluir o custo para alimentar seu rebanho – a cada mês que a proibição das vendas continuar.
Do outro lado da cidade, Shoichi Abe, 62, ordenha 30 vacas em seu estábulo. Ele não pode vender seus 500 quilos de produção diária desde que o terremoto de 11 de março prejudicou a fábrica de processamento de leite e a cooperativa local. Agora o governo estendeu essa proibição indefinidamente.
Abe disse: “isso está nos custando 70 mil yens por dia” – cerca de US$ 860.
“Nós não temos renda”, disse ele, “e a verdade é que não queremos continuar assim. Toda a agricultura se foi. Os consumidores não querem comprar alimentos do município de Fukushima, então não podemos vender. É o problema dos rumores.”
Autoridades japonesas começaram a proibir as vendas de certos alimentos, incluindo espinafre e leite, que são especialmente propensos a absorver radiação. Mas a proibição mais tarde foi estendida para uma grande variedade de produtos, embora as autoridades tenham enfatizado que o nível de radiação num único alimento não é perigoso o suficiente para quem o consuma numa quantidade normal.
Para uma pessoa, os agricultores dizem que seus produtos são seguros para comer e beber. Nenhum dos produtores entrevistados foram visitados por funcionários para monitorar a radiação em suas terras. As leituras de radiação do governo – da forma que foram publicadas – foram, na melhor das hipóteses, ambíguas.
O governo ordenou que os moradores abandonem uma área de até 19 quilômetros de distância do complexo nuclear de Fukushima, enquanto os reguladores norte-americanos haviam sugerido que as pessoas ficassem pelo menos a 80 quilômetros de distância da usina. Funcionários da cidade de Fukushima, a cerca de 64 quilômetros do reator afetado, têm publicado análises regulares dos níveis de radiação na água potável – níveis que chegaram a se aproximar dos limites oficiais de segurança, mas que desde então caíram.
Fora da cidade, entretanto, as leituras têm sido irregulares, e alguns moradores locais se sentem ignorados.
“Eles encontraram radiação na água de Tóquio, então anunciaram sobre Tóquio”, disse Miyoko Ave, 57, mulher de um fazendeiro de leite de Fukushima, referindo-se aos relatórios de radiação que causaram uma corrida para comprar água engarrafada na semana passada. “Mas não sabemos nada sobre a água ao norte de Tóquio. O governo está tentando apenas proteger Tóquio.”
“Talvez o primeiro-ministro esteja escondido num abrigo antinuclear”, disse ela. “Nós não o vemos em nenhum lugar.”
O mais confuso para os agricultores e consumidores é a falta de clareza da posição oficial sobre o que é seguro e inseguro comprar e comer. O Ministério da Saúde do país, que não tem limites para a radiação nos alimentos, teve dificuldades de estabelecer padrões de segurança depois que a crise de Fukushima se instalou. As novas regras provisórias, modeladas de acordo com critérios internacionais, geralmente consideram um alimento inseguro quando ele causa problemas de saúde se for consumido diariamente ao longo de um ano.
Os fazendeiros dizem que a ambiguidade efetivamente acabou com as suas vendas. “Nós achamos que vamos perder 80% de nossos rendimentos”, disse Ryuji Togashi, que comanda uma loja da cooperativa de agricultores de Towa, na semana passada. Nós fomos prejudicados pelos rumores. As pessoas acham que todos os nossos produtos estão afetados pela radiação. Não podemos nem vender os produtos que não foram afetados.”
O governo central prometeu que os agricultores serão indenizados por suas perdas, e funcionários de Fukushima incentivaram os produtores a fazer registros para documentar os alimentos e o leite que são jogados fora. Mas ainda não está certo como os agricultores serão pagos, nem o quanto receberão.
O governo disse que a Tokyo Electric Power Co., que opera os reatores de Fukushima, pode ser considerada responsável pelas perdas dos agricultores, mas a usina ainda precisa lidar com o assunto. Os agricultores, enquanto isso, dizem que o histórico do governo em pagar indenizações pelas perdas ocasionadas por outros problemas como a gripe aviária e a doença da vaca louca não inspiram confiança.
“O que o governo oferece é bem menos do que esperamos”, disse Sasaki, criador de gado leiteiro. “Sempre foi assim. Mas desta vez, estamos no limite.”
Pelo menos um agricultor foi empurrado para além do limite. O jornal The Asahi Shimbun reportou na semana passada que um agricultor de 64 anos em Sukagawa, uma cidade de Fukushima, cometeu suicídio um dia depois que o governo impôs a proibição sobre a venda de repolhos do local.
O agricultor, que não foi identificado, teria deixado sua casa durante o terremoto, mas tinha uma plantação de 7.500 repolhos orgânicos prontos para serem colhidos quando a proibição foi anunciada.
“É o fim da agricultura em Fukushima”, disse ele segundo seu filho. (EcoDebate)
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