sexta-feira, 22 de abril de 2011

Entendendo a escolha de combustível

Conforme postagem anterior, os modelos que permitem a escolha do combustível utilizado, gasolina ou etanol, dominam as vendas de automóveis no Brasil. Os automóveis flexíveis (flex fuel) já representam 46% da frota brasileira de veículos leves, participação que deve se elevar continuamente.
Assim, grande parte dos proprietários de automóveis pode escolher o combustível que utilizará no momento do abastecimento. Desta forma, a demanda de etanol e gasolina se torna muito mais volátil. Ainda que outros fatores influenciem a escolha do consumidor, como autonomia e impacto ambiental, o preço relativo dos combustíveis é o critério preponderante de escolha.
Como podemos observar na figura 1, a evolução do consumo brasileiro de etanol e gasolina C[1] nos últimos três anos foi bastante influenciada pelo preço relativo do etanol (preço do etanol/preço da gasolina). Nos momentos em que o preço relativo é baixo, aumenta o consumo de etanol e diminui o de gasolina. Ocorrendo o contrário quando o preço relativo sobe. O comportamento do mercado no início de 2010 torna claro esse movimento. O preço relativo aumentou fortemente, fazendo despencar as vendas de etanol e elevar as vendas de gasolina[2].
Figura 1 – Consumo mensal de álcool e gasolina (mil m3) e preço relativo dos combustíveis – Brasil (2008-2010)
Vendas de etanol e gasolina representadas no eixo esquerdo e preço relativo no eixo direito.
Em função de diferenciais de custo de transporte e tributação, o preço do etanol é distinto por estado da federação, ocorrendo o mesmo com seu preço em relação à gasolina. Nos estados próximos às áreas produtoras, o preço relativo favorece a escolha do etanol como combustível em automóveis flexíveis. Já nos estados do Norte, o preço relativo é elevado e o etanol é menos competitivo. A figura 2 apresenta o preço relativo em cada um dos estados brasileiros em dezembro de 2010. Nesse mês, abastecer com etanol só era vantajoso (preço relativo inferior a 0,70) na área produtora do combustível (Centro-Oeste, São Paulo e Paraná).
Figura 2 – Preço relativo (preço do etanol/preço da gasolina) por Unidade da Federação – Dezembro de 2010.
A volatilidade do consumo de etanol e gasolina decorrente de flutuações de preço tem implicações sobre o desenvolvimento da logística dos dois combustíveis. Ou seja, as empresas e autoridades responsáveis devem ser capazes de antecipar as flutuações de demanda para evitar desabastecimento, o que, eventualmente, pode implicar na importação de combustíveis. Como o ajuste de oferta e demanda de etanol se dá via preço, esse desafio é mais relevante para o abastecimento de gasolina, já que sua política de preço busca a estabilidade.
Esse artigo busca compreender o processo de substituição entre gasolina e etanol. Para tanto, foi estimada a parcela do consumo de combustíveis que corresponde aos automóveis flex fuel. Como os proprietários de automóveis a gasolina e a etanol não podem escolher o combustível no momento de abastecer, somente a parcela de automóveis flexíveis responde a flutuações de preço.
Assim, retiramos do consumo total de combustíveis de cada estado a parte correspondente aos automóveis a gasolina e a etanol. Essa parte foi estimada pela multiplicação da frota etanol e gasolina pelo seu consumo unitário. Chamamos a parte restante, que corresponde aos automóveis flexíveis, de consumo potencial de etanol da frota flex fuel (figura 3).
Figura 3 – Composição do consumo de combustíveis automotivos
Foi estudada a relação entre a fração consumo efetivo e consumo potencial etanol da frota flex e o preço relativo do etanol. A figura 4a apresenta os dados observados dessas duas variáveis nos estados brasileiros no período jan/2006 a dez/2010[3].
Figura 4a – Razão consumo efetivo e potencial de etanol da frota flex (CE/CP) e preço relativo do etanol (PE/PG)
Estimamos que essa relação pode ser descrita na forma de uma função logística:
CE⁄CP=1⁄((1+exp(-13,35+19,37.PE⁄PG) ) )
Figura 4b – Razão consumo efetivo e potencial de etanol da frota flex (CE/CP) e preço relativo do etanol (PE/PG)
A partir dessa função e das estimativas de frota é possível prever o consumo de gasolina e etanol a partir de cenários de preços dos combustíveis. Como ilustração, consideramos três cenários para a média brasileira de preços relativos (0,80 , 0,70 e 0,60) e estimamos a evolução do consumo mensal de etanol e gasolina em 2012. Como o etanol é consumido quase que totalmente em automóveis flexíveis, sua demanda apresenta maior flutuação conforme o preço é alterado. No cenário de preço elevado, o total consumido em 2012 seria de 14,6 milhões de m3, valor que alcançaria 35,1 milhões no cenário de menor preço.
Figura 5 – Consumo estimado mensal de etanol (milhares de m3) em 2012 segundo cenários de preço relativo (PE/PG = 0,6; 0,7 e 0,8)
Os automóveis que utilizam apenas gasolina ainda têm grande participação na frota brasileira conferindo menor oscilação do consumo de gasolina entre os cenários. No cenário de maior preço relativo do etanol, o consumo de gasolina alcança 35,3 milhões de m3 em 2012. Caindo para 20,9 milhões no cenário de menor preço.
Figura 6 – Consumo estimado mensal de gasolina (milhares de m3) em 2012 segundo cenários de preço relativo (PE/PG = 0,6; 0,7 e 0,8)
Essa metodologia oferece uma ferramenta bastante útil para compreender o processo de substituição entre gasolina e etanol e, portanto, prever o consumo desses combustíveis. Nos últimos anos, o preço relativo do etanol tem experimentado trajetória crescente, ficando na maior parte do tempo próximo ao limite de substituição (0,7) nos estados de maior consumo. Assim, as oscilações se tornam mais evidentes e sua antecipação mais relevante para autoridades e empresas do setor.
Por Luciano Losekann e Gustavo Rabello de Castro Luciano Losekann e Gustavo Rabello de Castro são pesquisadores do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) (ambienteenergia)

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