Alemanha persegue um
cenário energético sem usinas nucleares e com mais energias renováveis
Alemanha aposta na
revolução energética – A Alemanha está perseguindo um cenário energético sem
usinas nucleares e com mais energias renováveis. Na primeira metade deste ano,
vento, sol, água e até lixo responderam por 25% da matriz elétrica alemã. A
maior economia da Europa, com mais de 80 milhões de habitantes, indústria
competitiva e invernos rigorosos, aposta em uma revolução energética sem
precedentes e parece estar tendo sucesso.
Em maio, durante o
feriado de Pentecostes, a energia solar supriu um terço da demanda por
eletricidade do país. “Foi um sábado ensolarado e era feriado, muita gente
estava fora de casa e o consumo de energia foi menor”, relativiza Katharina
Umpfenbach, especialista em políticas de energias renováveis do Ecologic
Institute, um think tank alemão de pesquisas ambientais. “Mas é um indicador
forte que vamos chegar lá.”
“Lá” é um lugar onde
se produz muita energia a partir de aerogeradores e placas de energia solar,
algumas hidrelétricas e biomassa. Neste caminho de muitos desafios há dois bem
grandes: como eliminar a energia nuclear sem emitir mais CO2 e como produzir
energia no inverno, quando não há sol, o frio é intenso, os dias são curtos e
escuros e o consumo energético é muito maior.
De fato, no começo de
fevereiro, o mês tradicionalmente mais frio na Alemanha, o país arriscou sofrer
um blecaute. Com oito de suas 17 usinas nucleares fechadas logo depois do
desastre nuclear de Fukushima, no Japão, o cenário se complicou com o frio
afetando as entregas de gás da Rússia. Além disso, a maioria das nucleares
fechadas ficavam no Sul, onde estão os centros industriais – distantes, por sua
vez, das eólicas do Norte e das usinas de gás e carvão, reportou à época o
“Financial Times”. Sem reservas energéticas e com a demanda mais forte pelo
inverno, a logística ficou difícil.
Por outro lado, a
solução renovável que o país busca para substituir seus cerca de 20 gigawatts
de capacidade de geração nuclear – com 8 gigawatts já desativados – é uma
trilha de êxitos no verão. A fatia de energias alternativas na matriz alemã vem
crescendo. Segundo a BDEW, a associação da indústria de energia e operadores de
rede, a Alemanha bateu recordes na produção de energias verdes no primeiro
semestre de 2012 – 67,9 bilhões de quilowatts-hora e um crescimento de quase
20% em relação ao mesmo período do ano anterior. Eólica é de longe a nova fonte
mais importante (9,2% de participação dentro das renováveis), seguida de
biomassa (5,7%) e solar (5,3% com painéis fotovoltaicos) que é a energia que
mais cresce e superou a hidrelétrica (4,0%) no suprimento da demanda. A meta
alemã para produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis é de 35%
em 2050. “Mas do jeito que está agora parece que vamos conseguir atingir este
objetivo antes”, comemora a cientista política Katharina Umpfenbach.
“Neste momento, temos
cerca de 25% de energia renovável e algumas vezes, quando há muito vento e sol,
temos mais energia do que precisamos. Por outro lado, quando não há vento e
sol, temos que comprar energia”, disse o ministro de Cooperação Econômica e
Desenvolvimento da Alemanha, Dirk Niebel, durante a Rio+20, segundo relato do
repórter Rodrigo Polito. A energia nuclear responde por 28% da matriz
energética alemã. Niebel garantiu que as centrais nucleares que serão
desativadas até 2022 serão substituídas por parques eólicos, hidrelétricas e
painéis solares. “Vamos substituir por essas fontes”, disse.
Esta mudança de rota,
de menos nucleares e mais sol, vento e biomassa, é prioridade no governo de
Angela Merkel. Não foi assim no começo de sua gestão, quando ela apoiava a
energia nuclear com entusiasmo e reviu a decisão do governo anterior – uma
coalizão entre verdes e sociais democratas que queria o fim das usinas
nucleares na Alemanha até 2020. Merkel afirmava que energia nuclear era uma
“ponte necessária” para um futuro com mais renováveis, e que a Alemanha
continuaria assim por mais tempo. A decisão foi bastante impopular e só piorou
com as grandes manifestações do pós-Fukushima. A premiê teve que voltar atrás,
fechar logo oito usinas e decidir pelo fim da energia nuclear na Alemanha até
2022.
A liderança alemã na
tecnologia verde de geração de energia começou há duas décadas, com a política
de estímulo às renováveis conhecida por feed-in-tariffs, a FIT. Por este
mecanismo, fornecedores de energia renováveis na rede trabalham com garantia de
preço por 20 anos. Qualquer alemão, desde 1991, poderia instalar placas de
energia solar no teto de sua casa e jogar energia na rede – e conseguir um
preço melhor por isso do que aquele que paga ao consumir eletricidade. Os
operadores do sistema, por seu turno, teriam que adquirir preferencialmente a
energia renovável produzida.
“Este sistema foi
crucial porque estimulou a instalação de usinas solares e eólicas e promoveu a
produção de energia renovável na Alemanha”, analisa Martin Kaiser, especialista
em clima e florestas do Greenpeace alemão. Neste sistema, cada energia
renovável tem preço diferenciado, mas quem produz energia solar, eólica ou de
biomassa sempre tem vantagem sobre as energias tradicionais. Kaiser dá um
exemplo: o preço médio do kWh é 20 centavos, mas quem joga energia eólica na
rede ganha 24 centavos por kWh. “A previsão é que as energias renováveis,
particularmente solar e eólica, possam substituir as usinas nucleares que ainda
estão conectadas à rede, mas que serão todas substituídas em 2022″, diz o
ambientalista. “Não é ficção científica.”
Segundo um relatório
recente do Pnuma, o braço ambiental das Nações Unidas, em 2011 havia 73 países
no mundo que implementaram metas nacionais para ampliar a participação das
energias renováveis em sua matriz elétrica. A chamada feed-in tariff é a
política pública mais frequente para estimular o uso maior de renováveis. Em
2011, mais de 50 países tinha implantado algum tipo de FIT, sendo mais da
metade nações em desenvolvimento, mostra o estudo.
A Alemanha tem várias
metas que mudarão seu padrão energético em 2020 e até 2050. Uma das principais
estabelece que a participação das energias renováveis deva ser de 35% na produção
de eletricidade em 8 anos e de 80% em 2050. Eficiência energética é um dos
pilares desta equação, e a que está tendo pior performance. “A tarifa feed in é
muito popular porque garante o retorno do investimento”, explica Katharina
Umpfenbach. “As pessoas investiram em solar, eólica e em biogás. Muito mais
difícil é ter gente investindo em eficiência energética. Parece ser menos
sexy.”
“A forma mais limpa
de energia é aquela que ainda não foi usada”, disse Christian Noll, CEO da
Iniciativa Alemã para Eficiência Energética (DENEFF), em uma palestra recente.
Na avaliação da entidade faltam políticas públicas que animem as pessoas a
reformarem o sistema de isolamento térmico de suas residências, por exemplo.
Uma das grandes
discussões do setor energético alemão neste momento é quem irá pagar pela
modernização que tem que ser feita na rede. Energia é cara na Alemanha e uma
das questões é qual o impacto que todos estes movimentos terão na indústria.
Novas redes de alta voltagem terão que trazer a energia dos grandes parques
eólicos do Norte para os centros consumidores do Sul e do Oeste. A rede também
tem que ter qualidade técnica, o que não é nada fácil quando as condições de
sol e vento são imprevisíveis e não se tem ideia da decisão de muitos pequenos
investidores. Para que o sistema funcione e seja barato, a Alemanha terá que
contar com vizinhos europeus, como Áustria e Suíça. A “revolução energética”
que Angela Merkel prometeu há mais de um ano tem vários orçamentos – todos
altos – e atrasos na implementação.
O maior dilema
futuro, quando o país estiver perto de atingir 80% de renováveis em sua matriz
elétrica, será como conseguir estocar energia. “Um dia podemos ter mais
eletricidade do que iremos usar, e no outro, não ter o suficiente. Teremos que
ter uma espécie de “back up” energético”, diz Katharina Umpfenbach. Uma das
opções em discussão são baterias, mas é muito cara. A outra tem logística
geográfica: estocar água em lagos situados em pontos altos dos Alpes, bombeando
água para cima quando houver abundância de energia solar e jogá-la montanha
abaixo, movimentando turbinas, no inverno.
Uma terceira ideia é
uma equação química que prevê gerar energia a partir da produção de metano
sintético e transformando-o em hidrogênio – e assim, alimentando carros, por
exemplo. Mas ainda se perde muita energia nesta conversão. Os pesquisadores
apostam que o futuro será um balaio de opções e que não há bala de prata.
Há um tópico na
revolução energética alemã que os especialistas não gostam de comentar: como o
país irá cumprir a meta de emitir menos gases-estufa em 2020 e nas próximas
décadas se sua matriz energética continua fortemente baseada em carvão e se
colocou prazo de validade à energia nuclear. “Ninguém gosta de falar muito
nisso”, reconhece a especialista Katharina Umpfenbach. “Estamos fazendo muitos
progressos, mas o problema é que as metas e objetivos preveem tudo ao mesmo
tempo.” (EcoDebate)
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