O transporte de energia elétrica da usina em que é produzida
até os centros de consumo tem custos que dependem, principalmente, das formas
de transmissão utilizadas e das distâncias envolvidas. Na transmissão
convencional, a energia elétrica gerada na usina em corrente alternada (CA) é
transportada através de linhas de até 400 km de comprimento, que necessitam de
uma grande quantidade de equipamentos para regular essa transmissão. Quando as
distâncias envolvidas são maiores, a CA é convertida em corrente contínua (CC)
para a transmissão e, depois, na recepção novamente transformada em CA para
distribuição aos consumidores. Este processo exige a utilização de equipamentos
de tecnologia sofisticada, tanto na estação geradora como na estação receptora.
O transporte de grandes blocos de energia elétrica através
de longas distâncias, que variam de 2,5 mil a 3 mil km, típicas em países
extensos como o Brasil, impõe a utilização de soluções mais adequadas, baseadas
em linhas de transmissão não convencionais. Estudos desenvolvidos, desde 2007,
junto ao Departamento de Sistema e Controle de Energia da Faculdade de
Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, orientados pela
professora Maria Cristina Dias Tavares, mostram a viabilidade e as vantagens da
substituição do sistema em CC por outro em que a transmissão seja feita em CA,
eliminando a necessidade de equipamentos de conversão utilizados na saída e na
chegada da energia.
Essa transmissão ponto a ponto permite ainda a eliminação
das subestações intermediárias presentes na transmissão convencional e grande
parte dos equipamentos nela utilizados. É a chamada transmissão em meia onda
que, para o sistema elétrico brasileiro de CA em 60 Hertz, é indicada para um
tronco de transmissão em que as distâncias entre as estações geradoras e
receptoras de energia estejam a cerca de 2,5 mil km.
Para a professora Maria Cristina, esse sistema revela-se
muito interessante, porque todos os equipamentos das estações conversoras são
importados – válvulas, transistores, filtros, pois não existe tecnologia
nacional desenvolvida para a transmissão em CC. Para a transmissão em CA todos
os equipamentos podem ser adquiridos no Brasil, abrindo a possibilidade de
alavancar a indústria nacional. Neste caso, explica ela, as estações do início
e do fim da linha são muito parecidas com as utilizadas hoje nas linhas
convencionais em CA.
A diferença é que na transmissão em meia onda essas estações
são mais simples e não exigem os equipamentos utilizados para a estabilidade do
sistema durante a transmissão. Além disso, a implantação de uma transmissão que
utiliza uma estação de geração e outra de recepção e uma estrutura de torres e
cabos ao longo da linha torna o sistema mais barato, podendo gerar de 20% a 25%
de economia em relação à alternativa em CC.
Disparidades
Grande parte da energia hidrelétrica passível de ser
aproveitada no Brasil encontra-se na Região Amazônica, muito distante dos
grandes centros consumidores. Prevê-se que o potencial dessa região corresponda
à metade do potencial hidráulico estimado para o Brasil. Entretanto, o consumo
de energia elétrica na Região Norte e em parte da Região Centro-Oeste, que
correspondem a 45% do território nacional, não chega a 4% do consumo total de
energia do país.
Em vista disso, novas linhas estão e devem ser construídas
para transportar essa energia através de troncos, que envolvem interligações de
2 mil a 3 mil de extensão, até os grandes centros consumidores, localizados nas
Regiões Sul/Sudeste e Nordeste. É o caso da linha de transmissão do Complexo do
Rio Madeira, em Rondônia, bem perto de Porto Velho. A energia produzida nas
usinas de Santo Antônio e Jirau, situadas em duas barragens separadas por 100
km, chegará a Araraquara, São Paulo, percorrendo 2.350 km.
Sistemas com linhas muito longas são necessários em países
com grandes dimensões como o Brasil, China, Rússia e Índia, além de, por
exemplo, possíveis interligações entre Norte e Sul da África, em que grandes
distâncias separam os centros de geração e os centros de carga.
Apesar de os estudos envolvendo transmissão com pouco mais
de meio comprimento de onda remontarem à década de 60, não existe sistema desse
tipo em operação. A falta de informações sobre essa prática gera precaução nos
engenheiros e técnicos responsáveis pela expansão do sistema elétrico
brasileiro em relação à utilização dessa alternativa.
Em vista disso, em chamada de projeto P&D-Estratégico, a
Agência Nacional de Energia Elétrica (Annel) propôs um ensaio prático desse
novo sistema, sob condições bem definidas. A sugestão foi então a utilização de
um conjunto de linhas de transmissão no sistema brasileiro, utilizando
especificamente as interligações Norte-Sul I, Norte-Sul II e parte da
interligação Nordeste-Sudeste que, ligadas em série, formam um tronco de 2,6
mil km, um pouco mais longo que meio comprimento de onda.
O ensaio de energização, que corresponde à aplicação de uma
tensão para acionamento da linha previamente desligada, envolve três empresas
ligadas à transmissão de energia e financiadoras do P&D: Centrais Elétricas
do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte/Eletrobras), Centrais Hidroelétricas do
São Francisco S.A.(Chesf/Eletrobras) e Empresa Norte de Transmissão de Energia
Elétrica S.A. (Ente). Em colaboração com a Unicamp, que coordena o projeto,
trabalham a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Estadual de
Feira de Santana (UEFS).
Ensaio
Entretanto, a utilização das três interligações propostas na
formação do denominado Elo CA Teste necessita de estudos para sua validação já
que as linhas de transmissão a serem utilizadas apresentam parâmetros elétricos
semelhantes, mas não idênticos. Diante dessa necessidade, Elson Costa Gomes,
orientado pela professora Maria Cristina, se propôs a estudar a viabilidade da
utilização de linhas de transmissão semelhantes, mas não iguais, no ensaio de
energização de um tronco com pouco mais de meio comprimento de onda.
A conclusão foi de que, mesmo apresentando pequenas
diferenças, a junção dessas três linhas não inviabiliza o experimento e nem
descaracteriza o sistema de meia onda. Não foram aventadas para teste outras
linhas existentes que cobrem grandes distâncias por não exibirem as semelhanças
necessárias em toda a extensão. Além do apoio das empresas envolvidas, a
pesquisa, que foi tema da dissertação de mestrado de Gomes, contou com bolsa da
CNPq, apoio do Capes e da Fapesp.
O estudo visa embasar os técnicos das empresas envolvidas no
projeto e mostrar os resultados para a Aneel e para o Operador Nacional do
Sistema Elétrico (ONS) – criado para operar, supervisionar e controlar a
geração de energia elétrica no País. Desses dois organismos depende a liberação
do estudo de campo que possibilitará a passagem das simulações computacionais
para o ensaio real.
Os pesquisadores lembram que, face às diferenças dos regimes
de chuvas e, em consequência, da época do ano, a transmissão de energia ocorre
do Norte para o Sudeste, ou vice-versa. Em dois períodos do ano esse trânsito
de energia é baixo e permite que os três sistemas sejam desligados para o
ensaio. Já com a concordância da Aneel, o estudo encontra-se na fase de
apresentação dos resultados ao ONS, mostrando que não haverá danos para essa
parte do sistema a ser manobrado durante o ensaio.
A professora considera que “estamos na fase de consolidação
dos resultados e devemos mais adiante realizar alguns estudos mostrando como a
proteção que já existe no sistema irá se comportar se houver algum problema
durante o teste. Nossos estudos mostram que os equipamentos que já existem
nessas linhas e continuarão funcionando para permitir a ligação dessas linhas,
concluído o teste, voltarão às suas funções normais”.
Ela diz que isso é importante porque esses equipamentos,
dimensionados para operar em linhas curtas, estarão sendo utilizados para uma
linha de 2,6 mil km. Segundo Gomes, as simulações mostram que, apesar disso, as
solicitações são menos severas e não existe nenhum efeito que reduza a vida
útil dos equipamentos. O ensaio, previsto para um feriado ou uma madrugada,
poderá ser realizado em no máximo seis horas, tempo decorrente entre a
montagem, energização do circuito e o seu retorno às condições habituais de
operação.
Para o pesquisador, os resultados apresentados são
importantes para subsidiar a realização de testes semelhantes em outras partes
do sistema elétrico brasileiro ou em outros sistemas do mundo. Ele considera
que a meia onda seria uma alternativa competitiva com o sistema convencional e
em corrente contínua a serem usados no transporte da energia produzida nas
barragens que estão sendo construídas no Brasil, quando poderá se constituir
uma opção nos leilões dos sistemas de transmissão.
Maria Cristina teme que todo o esforço dedicado ao trabalho
possa vir a ser atropelado pelos chineses: “Os chineses acompanham e fazem
referências aos nossos estudos, mas quando eles se propuserem a trabalhar nisso
colocarão muita gente e muito dinheiro e com certeza conseguirão avançar muito
mais rapidamente”.
■ Publicação
Dissertação: “Utilização de linhas de transmissão
semelhantes no ensaio de energização de um tronco com pouco mais de meio
comprimento de onda”
Autor: Elson Costa Gomes
Orientadora: Maria Cristina Dias Tavares
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação
(FEEC)
Financiamento: CNPq, com apoio da Capes e da Fapesp (ambienteenergia)
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