Rio+20 e a matriz energética brasileira – Parte I
O ano de 2012 é o Ano Internacional da Energia Sustentável
para Todos, segundo a ONU. E não poderia ser de outra forma já que a energia é
o centro de tudo, desde suprir a economia até o combate à miséria, passando
pelas mudanças climáticas e o equilíbrio da vida na Terra.
O governo diz que a matriz energética brasileira, que é o
conjunto de fontes que geram energia, é a mais limpa do mundo comparativamente
aos países ricos. E que ela é sustentável, pois considera que 45,3% vêm de
fontes renováveis contra 7,2% dos mais ricos e 12,9% da média mundial. Será que
é verdade?
Esses 45,3%, em teoria, de "fontes renováveis",
incluem a geração das hidrelétricas e biomassa.
Hidrelétricas criam impactos ambientais, deslocamento
compulsório de dezenas de milhares de pessoas e os reservatórios produzem o gás
metano, um dos mais potentes causadores do aquecimento global (1). Essa chamada
matriz energética mais "limpa e renovável" do mundo foi responsável
também pelo aumento das importações de carvão mineral e gás natural no ano de
2009.
Para o Balanço Elétrico Nacional (BEN), o Brasil tem 86% de
fontes renováveis enquanto os países ricos juntos têm 17%. É uma constatação no
mínimo duvidosa, pois esse rótulo de campeão em energia sustentável não combina
em nada com os atuais fatos que povoam a mídia, sobre os conflitos nas
hidrelétricas do PAC. Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, são palco de
greves e violências, além de impactos não estudados da destruição das margens do
rio. Porto Velho é o retrato do inchaço urbano desordenado, de caos instalado
nos serviços públicos em decorrência das obras das usinas, e a Altamira de Belo
Monte, no Pará, remonta à Idade Média.
Mas para onde vai uma boa parte de toda essa energia que o
governo planeja gerar? Não parece ser para suprir os rincões miseráveis
isolados, ou para diminuir a desigualdade, ou para fortalecer as comunidades e
reforçar a sua autoconfiança. Vai para os grandes consumidores de energia que
têm prioridade e privilégio concedidos pelo governo, que quer bancar um
crescimento insustentável para ter competitividade na globalização. Para tanto,
optou-se pelo oportunismo da política de produção de energia estagnada no
modelo hidrelétrico: insustentável, cara e suja.
Exemplos desse oportunismo não faltam. Os auto-produtores
(2) são as grandes indústrias eletro-intensivas que usam energia como seu
principal insumo e que vendem o excedente no mercado livre. É legal que empresas
auto-produtoras comercializem energia elétrica, como mercadoria, quando lhes
convém, ou seja, quando o preço do Megawatt/hora está na alta?
Cerca de 80% dessa energia vêm de hidrelétricas que na fase
de construção (os consórcios têm auto-produtores na sua composição) se
beneficiam de financiamentos de bancos públicos com juros abaixo do mercado,
isenção de PIS/COFINS durante as obras (Reidi), carência no recolhimento de IR,
sobrepreços e aditivos em contratos de concessão. Pode não ser ilegal, mas é um
"negócio" imoral.
No dia 15 de abril, uma nota discreta do Valor informou que
"as perspectivas de demanda (de energia elétrica), feitas no passado, não
se concretizaram". Demanda criada artificialmente. O Plano Decenal de
Expansão de Energia (PDEE) está errando na previsão, pois continua
incentivando, induzindo ou estimulando demanda e, ao mesmo tempo,
disponibilizando oferta. Ora, como fazer florescer programas de eficiência
energética, consumo consciente, energias alternativas, quando na verdade a sociedade
tem "tanta" energia disponível? O argumento do governo tem sido o do
"apagão nunca mais" e "podemos consumir como nunca".
Seja qual for a constatação, a verdade é que a
"indústria" de hidrelétricas continua a todo vapor sem considerar que
só os programas de conservação e eficiência energética podem possibilitar uma
economia de 10% no consumo, no mínimo.
Notas:
1) O gás metano está presente em lagos naturais e pântanos
da Amazônia, mas nos reservatórios hidrelétricos, em que a água passa pelas
turbinas e vertedouros liberando-o na atmosfera em quantidades muito maiores, é
onde ele se mostra mais letal.
2) Auto-produtor: Pessoa física ou jurídica ou empresas
reunidas em consórcio que recebem concessão ou autorização para produzir
energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo. (correiocidadania)
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