sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Energia geotérmica no Quênia

Quênia investe em energia geotérmica para ampliar acessos à rede elétrica
Todo tipo de lenda circula sobre a cratera de Menengai, a maior do Quênia, que, do alto de seus 2.200 metros, forma uma espécie de sacada sobre o Vale do Rift. Histórias de demônios e de fantasmas, sempre prontos a agarrar os visitantes mais medrosos na visão dos supostos donos dos lugares.
No entanto, em uma manhã de junho, o rosto das crianças que se apressam para a saída da perua escolar não traz o menor sinal de apreensão. Vestidos com impecáveis uniformes cinza e azul, eles acabam de ouvir do professor deles outra história: a de um vulcão extinto que futuramente poderá oferecer a seu país tanta eletricidade quanto ele produz hoje. Situado 130 quilômetros ao noroeste da capital Nairóbi, Menengai é o maior projeto geotérmico da África.
Colocado sobre o assoalho da cratera, um cilindro de metal cospe para cima um potente jato de vapor. Cercado por esse imenso cenário vegetal, ele não inspira confiança. De longe, ele mal se distingue das fumarolas que enevoam o horizonte. Algumas centenas de metros adiante, o barulho estrondoso que escapa de uma torre de perfuração – idêntica às usadas pela indústria petroleira – corrige rapidamente essa primeira impressão de facilidade. Para atingir os aquíferos e liberar o vapor que servirá para produzir energia elétrica, o trépano precisa penetrar na rocha por mais de 3.000 metros. Quando tudo dá certo, isso leva seis semanas.
A primeira perfuração começou em 2011, em Menengai. Seis poços estão em atividade hoje, mas serão necessários 120 deles para atingir a meta da fase 1 do projeto, que é entregar um campo de vapor de 400 megawatts (MW) até o final de 2015.
Em matéria de geotermia, o Quênia não está em sua primeira experiência. Mas o passado deixou um gosto amargo. O primeiro ponto de exploração foi aberto em 1954, em Olkaria, sul de Menengai. Trinta anos mais tarde, a primeira usina mal havia saído do chão. A história de Olkaria 2 e Olkaria 3 não é muito diferente, tanto que o balanço – 200 MW instalados – é insignificante comparado com a colossal jazida que os especialistas fizeram esperar durante tantos anos.
“O custo da exploração, até hoje, foi um obstáculo para o desenvolvimento dessa energia renovável. Os investidores privados cobram tão caro pelo risco de fracasso que depois se torna impossível obter tarifas de eletricidade aceitáveis para um país pobre como o Quênia”, explica Silas M. Simiyu, diretor-geral da Geothermal Development Company (GDC). Então o Estado decidiu assumir ele mesmo o risco, criando, em 2009, essa nova empresa pública que produzirá – a um custo mínimo, espera-se – vapor que depois será revendido a operadoras privadas para produzir eletricidade.
Essa estratégia deve permitir que se dê uma segunda chance à energia geotérmica, alçada à condição de prioridade nacional no plano de metas que o Quênia estabeleceu para si até 2030. Isso porque, para se tornar uma das futuras nações emergentes, como parece ambicionar a sexta economia da África subsaariana deve necessariamente melhorar seu baixíssimo nível de estrutura. Menos de um em cada três habitantes tem acesso à rede elétrica, em uma população de 40 milhões.
As secas recorrentes dos últimos anos prejudicaram a produção das usinas hidrelétricas, obrigando o governo a importar óleo combustível em grandes quantidades para alimentar pequenas usinas térmicas, caras e poluentes. “Não é uma solução. Mas é mais fácil construir em seis meses uma usina térmica do que financiar uma central geotérmica ou um campo de energia eólica”, lamenta Youssef Arfaoui, diretor do departamento de energias renováveis do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Convencer sua instituição a investir US$ 850 milhões (cerca de R$ 1,68 bilhão) em um projeto como Menengai levou anos.
O investimento do BAD atraiu outros financiadores, como a Agência Francesa de Desenvolvimento e o Banco Mundial. A iniciativa queniana também tem o apoio do Climate Investment Fund, um fundo multilateral destinado a ajudar os países menos avançados a planejarem um desenvolvimento que envolva pouco carbono.
Se o modelo experimentado pelo Quênia se mostrar vantajoso, ele poderá ser proposto aos países vizinhos, Tanzânia, Etiópia, Uganda, cujo subsolo também abunda em recursos geotérmicos. Simiyu acredita nisso: “Nós cortamos pela metade o custo das perfurações.” Cercado por sua equipe de engenheiros, todos formados como ele na Islândia, ele calcula: “Venderemos o vapor às empresas privadas a 3 centavos o MW. A esse preço, não há nenhuma razão para que a eletricidade geotérmica não seja competitiva”.
Ao pé dessa cratera, os moradores do vilarejo assistem ao vaivém dos caminhões na estrada recém-aberta. Assim como para a maioria dos habitantes de zonas rurais, a lenha continua sendo sua única fonte de energia. Eles deverão ser os primeiros a se beneficiarem do projeto. Pelo menos é o que garantem os diretores da GDC, que, para obter os empréstimos – em 50 anos – dos financiadores, tiveram de aceitar uma lista de compromissos sociais e ambientais que se encaixem nos padrões internacionais. Outras obras aguardam a estatal ao longo do Vale do Rift. Se o plano de metas para 2030 for respeitado, a energia geotérmica representará mais de um quarto da eletricidade produzida no Quênia daqui a vinte anos. (EcoDebate)

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