Quênia investe em
energia geotérmica para ampliar acessos à rede elétrica
Todo tipo de lenda
circula sobre a cratera de Menengai, a maior do Quênia, que, do alto de seus
2.200 metros, forma uma espécie de sacada sobre o Vale do Rift. Histórias de
demônios e de fantasmas, sempre prontos a agarrar os visitantes mais medrosos
na visão dos supostos donos dos lugares.
No entanto, em uma
manhã de junho, o rosto das crianças que se apressam para a saída da perua
escolar não traz o menor sinal de apreensão. Vestidos com impecáveis uniformes
cinza e azul, eles acabam de ouvir do professor deles outra história: a de um
vulcão extinto que futuramente poderá oferecer a seu país tanta eletricidade
quanto ele produz hoje. Situado 130 quilômetros ao noroeste da capital Nairóbi,
Menengai é o maior projeto geotérmico da África.
Colocado sobre o
assoalho da cratera, um cilindro de metal cospe para cima um potente jato de
vapor. Cercado por esse imenso cenário vegetal, ele não inspira confiança. De
longe, ele mal se distingue das fumarolas que enevoam o horizonte. Algumas
centenas de metros adiante, o barulho estrondoso que escapa de uma torre de
perfuração – idêntica às usadas pela indústria petroleira – corrige rapidamente
essa primeira impressão de facilidade. Para atingir os aquíferos e liberar o
vapor que servirá para produzir energia elétrica, o trépano precisa penetrar na
rocha por mais de 3.000 metros. Quando tudo dá certo, isso leva seis semanas.
A primeira perfuração
começou em 2011, em Menengai. Seis poços estão em atividade hoje, mas serão
necessários 120 deles para atingir a meta da fase 1 do projeto, que é entregar
um campo de vapor de 400 megawatts (MW) até o final de 2015.
Em matéria de
geotermia, o Quênia não está em sua primeira experiência. Mas o passado deixou
um gosto amargo. O primeiro ponto de exploração foi aberto em 1954, em Olkaria,
sul de Menengai. Trinta anos mais tarde, a primeira usina mal havia saído do
chão. A história de Olkaria 2 e Olkaria 3 não é muito diferente, tanto que o
balanço – 200 MW instalados – é insignificante comparado com a colossal jazida
que os especialistas fizeram esperar durante tantos anos.
“O custo da exploração,
até hoje, foi um obstáculo para o desenvolvimento dessa energia renovável. Os
investidores privados cobram tão caro pelo risco de fracasso que depois se
torna impossível obter tarifas de eletricidade aceitáveis para um país pobre
como o Quênia”, explica Silas M. Simiyu, diretor-geral da Geothermal
Development Company (GDC). Então o Estado decidiu assumir ele mesmo o risco,
criando, em 2009, essa nova empresa pública que produzirá – a um custo mínimo,
espera-se – vapor que depois será revendido a operadoras privadas para produzir
eletricidade.
Essa estratégia deve
permitir que se dê uma segunda chance à energia geotérmica, alçada à condição
de prioridade nacional no plano de metas que o Quênia estabeleceu para si até
2030. Isso porque, para se tornar uma das futuras nações emergentes, como
parece ambicionar a sexta economia da África subsaariana deve necessariamente
melhorar seu baixíssimo nível de estrutura. Menos de um em cada três habitantes
tem acesso à rede elétrica, em uma população de 40 milhões.
As secas recorrentes
dos últimos anos prejudicaram a produção das usinas hidrelétricas, obrigando o
governo a importar óleo combustível em grandes quantidades para alimentar
pequenas usinas térmicas, caras e poluentes. “Não é uma solução. Mas é mais fácil
construir em seis meses uma usina térmica do que financiar uma central
geotérmica ou um campo de energia eólica”, lamenta Youssef Arfaoui, diretor do
departamento de energias renováveis do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).
Convencer sua instituição a investir US$ 850 milhões (cerca de R$ 1,68 bilhão)
em um projeto como Menengai levou anos.
O investimento do BAD
atraiu outros financiadores, como a Agência Francesa de Desenvolvimento e o
Banco Mundial. A iniciativa queniana também tem o apoio do Climate Investment
Fund, um fundo multilateral destinado a ajudar os países menos avançados a
planejarem um desenvolvimento que envolva pouco carbono.
Se o modelo
experimentado pelo Quênia se mostrar vantajoso, ele poderá ser proposto aos
países vizinhos, Tanzânia, Etiópia, Uganda, cujo subsolo também abunda em
recursos geotérmicos. Simiyu acredita nisso: “Nós cortamos pela metade o custo
das perfurações.” Cercado por sua equipe de engenheiros, todos formados como
ele na Islândia, ele calcula: “Venderemos o vapor às empresas privadas a 3
centavos o MW. A esse preço, não há nenhuma razão para que a eletricidade
geotérmica não seja competitiva”.
Ao pé dessa cratera,
os moradores do vilarejo assistem ao vaivém dos caminhões na estrada
recém-aberta. Assim como para a maioria dos habitantes de zonas rurais, a lenha
continua sendo sua única fonte de energia. Eles deverão ser os primeiros a se
beneficiarem do projeto. Pelo menos é o que garantem os diretores da GDC, que,
para obter os empréstimos – em 50 anos – dos financiadores, tiveram de aceitar
uma lista de compromissos sociais e ambientais que se encaixem nos padrões
internacionais. Outras obras aguardam a estatal ao longo do Vale do Rift. Se o
plano de metas para 2030 for respeitado, a energia geotérmica representará mais
de um quarto da eletricidade produzida no Quênia daqui a vinte anos.
(EcoDebate)
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