Rio+20 e a matriz energética brasileira - Parte II
Se o Brasil pretende se confirmar como liderança em energias
limpas na conferência Rio+20, deve começar por levar e discutir propostas
consistentes de programas de eficiência energética, de descentralização da
geração e pensar numa matriz nacional de transportes coerente com essa postura.
Posar de grande detentor da matriz energética mais verde do mundo é uma
falácia.
Rever as políticas energéticas adotadas nos últimos 20 anos
é uma boa ideia para a nação anfitriã da Rio+20. O Brasil quer ser a quinta
maior economia do mundo. Para isso precisa construir uma sociedade regida por
um sistema energético sustentável. Uma sociedade sustentável.
A geração de energia por hidrelétricas já ocupa uma posição
secundária no mundo porque os países ricos esgotaram seus potenciais. O governo
brasileiro continua investindo no mesmo modelo sem observar as sequelas dos
outros países e aprender com os erros deles. Vamos esgotar também o nosso
potencial?
O Brasil é um país privilegiado, pois conta com abundância de
sol, vento e biodiversidade. Essa é a equação ideal para estimular o incremento
das fontes limpas de energia, eólica e solar, na matriz energética. Porém,
incentivos mesmo, só para construir barragens, "preferência nacional"
do planejamento ofertista de energia elétrica.
O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE) 2020 chama a
Amazônia de "potencial (1) e "potencial inventariado (2)". Ele
prevê a completa exploração da fonte hídrica de energia na Amazônia, como se
essa fosse a vocação natural da floresta. É com essa visão obliterada que o
Brasil está sendo considerado uma referência na Rio+20.
O governo de Dilma Rousseff desconsidera as mudanças
climáticas que alteram o regime de águas nos rios da Amazônia. Já chamou de
fantasia a pretensão de gerar energia com fontes alternativas genuinamente
limpas. Talvez considere delírio as alterações do clima. O modelo econômico
atual está levando o planeta para o ponto de desequilíbrio de onde não será
possível retornar.
Bom exemplo de liderança seria apresentar uma análise mais
abrangente das alternativas genuinamente limpas que pudessem complementar as
usinas hidrelétricas existentes. A conferência talvez não fracassasse.
Incentivos à pesquisa de novas tecnologias para tornar mais competitivas as
energias alternativas, também seriam bem-vindos.
Até o momento sabe-se que a Rio+20 pretende ignorar as
mudanças climáticas.
Energia elétrica limpa e barata?
O PDEE 2020 prevê 24 novas grandes usinas hidrelétricas na
Amazônia brasileira entre 2016 e 2020 (tabela abaixo). No rio Madeira duas
grandes hidrelétricas já estão sendo construídas e provocam sérias alterações
na dinâmica do rio, da floresta e do ambiente urbano, conflitos trabalhistas
violentos nos canteiros de obras, acompanhados de denúncias de trabalho análogo
ao escravo. O projeto de Belo Monte, no rio Xingu, parece vencer os quase 30
anos de resistência dos movimentos sociais. A usina de Estreito, no rio
Tocantins, já em início de operação mostra impactos sociais e ambientais e
destruição provocada pela abertura das comportas durante as cheias.
As barragens são consideradas os maiores projetos
individuais no quesito investimento. Elas têm custos altos mal detalhados,
tornam vulneráveis as regiões em que se inserem e produzem grandes passivos
ambientais e sociais. Os programas de compensação e mitigação não têm
acompanhamento, fiscalização ou controle social.
As hidrelétricas hoje, no Brasil, servem como moeda de troca
para suprir as carências regionais, enormes lacunas deixadas pelo Estado. Elas
podem gerar energia barata? Os custos sócio-ambientais, na verdade, não são
contabilizados.
Gerar energia implica em alteração do ambiente. A energia
eólica quando é mal planejada pode gerar conflitos pelo uso do espaço, impactos
sobre a fauna e ruído. A tecnologia atual de energia solar requer ainda a
utilização de materiais como o arsênio, cádmio ou silício. A biomassa implica
em subutilizar terras férteis.
Nenhuma dessas fontes, porém, leva ao deslocamento
compulsório de dezenas de milhares de pessoas (no Brasil já são mais de um
milhão de desalojados por projetos hidrelétricos) ou afeta os direitos das
populações tradicionais, a sobrevivência de povos indígenas ou leva à extinção
de espécies da fauna e flora. Só hidrelétricas alteram o ambiente urbano e
rural, o clima, destroem ecossistemas. Mas são consideradas "limpas e
baratas" pelo governo brasileiro.
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, diz que as
energias alternativas limpas como a eólica e solar são caras. Serão sempre
caras se não houver incentivos para torná-las competitivas no mercado. Falta
economia de escala.
Da mesma forma que hidroeletricidade não pode ser
considerada limpa, também não pode ser considerada barata. É cara do ponto de
vista dos custos de implantação e a conta de luz também é muito cara para o
consumidor final. As tarifas de energia elétrica residencial e industrial
praticadas no Brasil (80% da energia vêm de geração hidrelétrica) estão entre
as dez mais caras do mundo. Isso derruba definitivamente o mito da energia
barata.
Considerar essa energia limpa e barata é um engodo. A
expansão de energia prioriza hidrelétrica usando a teoria ultrapassada da
disponibilidade farta encontrada graças à exuberância da Amazônia. A Amazônia
não é só uma dádiva da natureza, mas é, principalmente, berço de povos
milenares.
O que prevalece é a cultura das empreiteiras em busca de obras
faraônicas. O concreto das barragens e as escavações em rocha no solo da
floresta são financiados por dinheiro público a juros subsidiados. Quem
fiscaliza?
Na Parte III vou mostrar a composição de uma conta de luz e
os encargos que incidem sobre ela
Notas:
1) Por potencial hidrelétrico entende-se o potencial
possível técnica e economicamente aproveitado nas
condições atuais de tecnologia. É medido em termos de
energia firme, que é a geração máxima contínua na hipótese de repetição futura
do período hidrológico crítico.
2) Potencial inventariado compreende as usinas em operação
ou construção e os aproveitamentos disponíveis estudados no inventário,
viabilidade e projeto básico. (correiocidadania)
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