Embora tenha tomado algumas providências, o Brasil ainda
precisa fazer uma extensa lição de casa para poder criar as condições
necessárias à implantação da chamada smart grid (rede inteligente) no seu
sistema elétrico. A opinião é de Carlos Alberto Fróes Lima, que acaba de
defender tese de doutorado sobre o tema, na Faculdade de Engenharia Mecânica
(FEM) da Unicamp, sob a orientação do professor Gilberto de Martino Jannuzzi.
De acordo com o autor do trabalho, questões ligadas à legislação e regulação do
uso dessa nova tecnologia seguem aguardando soluções. “A previsão é de que os
testes em âmbito nacional possam começar em 2013. Até agora, porém, não foram
definidos pontos cruciais como as especificações dos novos medidores e nem
mesmo os valores das tarifas. O país ainda está se organizando para estabelecer
essas diretrizes”, analisa.
Fróes afirma que tais providências são urgentes e
fundamentais porque o advento da smart grid proporcionará uma “revolução” do
ponto de vista de controle e efetividade dos serviços tanto nos setores de
geração, transmissão e distribuição da energia elétrica, quanto no
comportamento do consumidor e na relação deste com as concessionárias do setor.
“O conceito de smart grid ainda não está disseminado no Brasil, sendo um
assunto novo por aqui. Entretanto, ele é muito abrangente, envolvendo muito da
eficiência energética e já vem sendo aplicado há algum tempo nos Estados
Unidos, Japão e países europeus. A tecnologia cria uma série de possibilidades
técnicas, operacionais e também de negócios”, elenca o pesquisador.
Dito de modo simplificado, o que se pretende com a
introdução da smart grid é dotar a rede elétrica de inteligência, de modo que
ela possa ser operada e controlada de forma digital (usando equipamentos com
tecnologia de comunicação de dados em cada ponto da rede) e com mais
eficiência. Atualmente, explica o autor da tese, a geração já dispõe de
tecnologias inteligentes, que ajudam a manter a oferta em níveis adequados, mas
também tem seus desafios de inovação. A disposição, agora, é fazer com que a
transmissão e a distribuição também atinjam um patamar de operação e supervisão
superiores. Uma das alternativas, segundo Fróes, é instalar sensores nos
diversos pontos da rede. Com isso, as concessionárias teriam como monitorá-la
remotamente, identificando em tempo real eventuais interrupções no
fornecimento, perdas técnicas e até mesmo furtos de energia.
Mais do que isso, por meio do medidor eletrônico, que deverá
substituir o conhecido “relógio” eletromecânico, tanto a empresa fornecedora
quanto os próprios clientes terão como acompanhar de maneira mais próxima e
frequente o consumo. “Atualmente, um funcionário vai uma vez ao mês até a
residência do cliente para registrar o quanto foi consumido no período
anterior. Com os recursos da smart grid, isso poderá ser feito a cada 15
minutos, por exemplo, pelas duas partes. Isso fará com que as pessoas possam
ter maior controle sobre seus gastos com energia e a concessionária conheça
melhor os hábitos dos seus clientes”, detalha Fróes. Além dessas vantagens,
prossegue ele, a tecnologia também permitirá que sejam estabelecidas tarifas
diferenciadas conforme o período do dia e conforme o consumo.
O pesquisador observa que a Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), reguladora do setor, já estabeleceu uma primeira resolução
nesse sentido. O documento prevê que o custo da energia no horário de pico será
cinco vezes maior do que nos momentos de baixo consumo. “Com isso, o consumidor
poderá programar melhor o uso da energia elétrica e, eventualmente, baixar o
valor da sua conta. Em vez de tomar banho entre 18h e 21h, por exemplo, ele
poderá deixar para fazer sua higiene pessoal depois desse período, quando a
tarifa será menor”, exemplifica Fróes. Ocorre, entretanto, que as tarifas a
serem praticadas ainda dependem de regulamentação. “Ou seja, a tarifa no
horário de pico vai ser cinco vezes maior em relação a que valor? Isso ainda
não foi definido”, acrescenta o autor da tese.
Segundo ele, uma consequência dessa possível mudança de
atitude por parte dos consumidores poderá ser a redução dos investimentos em
geração de energia. Ele esclarece que a oferta do serviço não é estimada a
partir de uma demanda média, mas com base no pico de consumo. “Ora, se houver
uma redução importante do consumo no horário de pico, a geração poderá ter um
planejamento operacional diferenciado. Ou, dito de outra maneira, o país poderá
crescer e se desenvolver sem que haja a necessidade de investimentos tão grandes
em novas gerações”, imagina.
Outra alteração que a smart grid poderá introduzir diz
respeito à atuação das concessionárias. Fróes diz que, assim como acontece em
outros países, as empresas brasileiras poderão ser autorizadas a fornecer
outros produtos e serviços além da energia elétrica. Nos Estados Unidos, por
exemplo, as companhias do setor podem vender o serviço de operar
eletrodomésticos considerados “inteligentes”. Além de serem eficientes e
apresentarem um baixo nível de consumo de eletricidade, os aparelhos podem ser
operados à distância pelas concessionárias. “Nesse caso, o cliente autoriza a
empresa a desligar remotamente o seu aparelho quando chega o horário de pico e
quando a oferta de energia não é suficiente para atender toda a população. Isto
pode evitar apagões. O cliente também pode acionar ou pedir à concessionária
para que o aquecedor seja acionado uma hora antes de ele chegar em casa,
durante o inverno”.
Ainda no campo das possibilidades, a smart grid pode criar
também a figura do consumidor-fornecedor. Desse modo, aquela pessoa que dispõe
de um sistema doméstico de geração de energia eólica ou fotovoltaica poderá
transferir o excedente da sua produção para a rede, sendo remunerado por isso.
“Nessa hipótese, o medidor eletrônico registrará tanto a entrada quando a saída
de energia. Mas, para que isso aconteça, será necessário ainda o
estabelecimento de normas para não haver interferências de frequências na rede
de energia. Do mesmo modo, é preciso estabelecer as especificações técnicas dos
medidores, para que os aparelhos executem as funções desejadas”, adverte Fróes.
Por fim, o pesquisador lembra que a smart grid poderá se
constituir em uma grande oportunidade de negócios no Brasil. Ele observa que os
aproximadamente 58 milhões de medidores domésticos convencionais terão que ser
substituídos por equipamentos mais modernos. “Esses aparelhos precisão ser
fabricados, instalados e consertados, quando for o caso, por alguém. Isso representará
a criação de novas empresas e de um importante número de empregos, com a consequente
geração de riquezas para o país”, entende o autor da tese.
Ao ser questionado sobre quem pagará a conta por toda essa
“revolução”, Fróes é direto: “Todos pagaremos, de alguma forma”. De acordo com
ele, não se pode afirmar, num primeiro momento, que haverá redução do preço de
tarifa por causa da adoção da rede inteligente. Ao contrário, a fase inicial
exigirá altos investimentos, o que deve trazer algum tipo de impacto para o bolso
do consumidor. “O Brasil vai ter que decidir como isso será feito. No Reino
Unido, ficou definido que os clientes são que arcariam com o custo de
instalação dos novos medidores. Aqui, a solução terá que ser discutida,
inclusive com a participação da sociedade”, pondera.
Um aspecto que parece claro, completa Fróes, é que a
implantação da smart grid no sistema elétrico brasileiro é uma medida inevitável,
em razão das vantagens que ela trará. “Atualmente, nossa rede, que começou a ser
implantada na primeira metade do século 20, está obsoleta. É preciso atualizá-la.
Penso que esse avanço em direção a uma rede inteligente será feito aos poucos.
Afinal, não é possível mudar o setor da noite para o dia. Assim, vamos
introduzir alguns neurônios progressivamente, de modo que ela fique cada vez
mais inteligente. Outros países já fizeram isso com sucesso. Nós também devemos
chegar lá, mas é preciso reafirmar que muitas questões legais, técnicas e
operacionais ainda não foram estabelecidas. Sem essas diretrizes, não iremos a
lugar algum. Se a lição de casa não for feita com urgência e competência, os
consumidores e o país sairão perdendo”, analisa.
Atualmente, a smart grid tem tido alguns de seus recursos
testados, de forma piloto, em duas cidades brasileiras: Sete Lagoas, em Minas
Gerais, e Parintins, no Amazonas. Na cidade mineira, foram instalados novos
medidores e modernos sistemas de telecomunicação, que permitem a troca de dados
entre os equipamentos de campo e as centrais computadorizadas. Com isso, a
concessionária local tem como monitorar os níveis de consumo da população, bem
como identificar, em tempo real, eventuais interrupções no fornecimento de
energia. Já no município amazônico, foram instalados sensores em vários pontos
da rede de distribuição, que também permitem a intervenção imediata da fornecedora
em caso de falhas no sistema. São testes como estes que poderão ser realizados
em dimensão nacional em 2013. No ano seguinte, a tecnologia deverá entrar em
operação comercial. (ambienteenergia)
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