As instituições têm um papel decisivo na configuração do
futuro da energia. Este texto discute o papel das políticas energéticas dos
diversos Estados nacionais na evolução do cenário energético no médio (2030) e
no longo (2050) prazos.
O peso das instituições
Dois fatores determinam a evolução estrutural do cenário
energético: tecnologia e instituições. Se, por um lado, as tecnologias vão
definindo o horizonte de possibilidades de mediação entre as necessidades
energéticas e os recursos naturais, por outro, as instituições vão enquadrando
essas possibilidades; incentivando ou penalizando, sancionando ou vetando
tecnologias, estratégias, empresas e países.
A evolução energética no médio e no logo prazo, vista sob a
perspectiva de hoje, depende do posicionamento das instituições que regulam, em
sentido amplo, o mercado energético frente a dois temas cruciais: segurança
energética e mudança climática.
Esse posicionamento, na medida em que se traduza em políticas
públicas, definidoras das ações dos diversos Estados Nacionais no enfrentamento
desses dois problemas, irá se constituir em um dos elementos chave para a
definição dos futuros possíveis da energia.
O trade off segurança energética versus mudança climática
A grande peculiaridade da atual configuração dos problemas
energéticos é a forte interdependência existente entre segurança energética e
mudança climática, que ao fim transforma esses dois problemas em um único
problema: como garantir o suprimento de energia necessário ao desenvolvimento
econômico e ao bem-estar da sociedade e, ao mesmo tempo, mitigar o processo de
mudança climática?
Nesse contexto, mitigar o processo de mudança climática
significa reduzir a emissão dos chamados gases de efeito estufa. Reduzir essa
emissão implica na redução da queima dos combustíveis fósseis, que constituem a
grande fonte geradora desses gases.
Como os combustíveis fósseis são o principal recurso para
garantir o suprimento de energia, o conflito entre a solução dos dois problemas
se estabelece. Lidar com esse trade-off é o maior desafio das políticas
energética e ambiental. Vistas agora não mais de forma estanque, mas
necessariamente de forma interligadas.
Sem o quê, não há possibilidade de formular o problema e encontrar
a sua solução.
O reconhecimento da radicalidade desse trade-off e dos seus
desdobramentos sobre o futuro transcende uma visão simplista de uma otimização
sob restrição; de garantir a segurança energética diante de um constrangimento
ambiental. Considerando que a redução das emissões de CO2 implica na
indisponibilidade de um recurso chave para a segurança energética, não basta
reconhecer que usar combustível fóssil tem um custo elevadíssimo para a
segurança climática, é preciso reconhecer que não usar esses combustíveis, em
contrapartida, tem um custo elevadíssimo para a segurança energética.
A resposta dos Estados Nacionais a esse trade-off tem três
momentos: o primeiro momento diz respeito ao seu reconhecimento; o segundo
momento diz respeito à sua gestão; e o terceiro momento diz respeito à sua
redução.
Reconhecendo, gerindo e reduzindo o trade off
O primeiro momento implica não só o reconhecimento do
problema, mas principalmente o reconhecimento da sua gravidade e da urgência da
sua solução.
É evidente que dada a complexidade do problema, o seu
reconhecimento não é o mesmo tanto no interior das sociedades quanto entre os
países.
Considerando que as percepções são distintas é de se esperar
que as políticas delas derivadas também sejam distintas.
O segundo momento implica na hierarquização e na
subordinação dos objetivos ou, dito de outra forma, na escolha do que é
prioritário, do que deve ser preservado e do que deve ser sacrificado, do que
deve ser incentivado e do que deve ser penalizado.
Dadas as especificidades locais das instituições, tanto no
que concerne às prioridades quanto no que diz respeito aos mecanismos de se
chegar a elas, os processos de hierarquização são diferentes, assim como as
políticas deles resultantes.
A redução do trade-off, presente no terceiro momento,
implica na mobilização dos recursos necessários para alcançá-la. Recursos esses
que vão desde os naturais até os institucionais, passando pelos tecnológicos,
organizacionais, econômicos e financeiros. A dificuldade dessa mobilização é
diretamente proporcional ao grau de redução desejada e inversamente
proporcional à disponibilidade desses recursos e da capacidade de reuni-los e
administrá-los.
Considerando que tanto o grau de redução quanto,
principalmente, a dotação dos recursos é bastante desigual entre os diversos
países, supõe-se que as políticas para atingi-la serão diferentes de país para
país.
Desse modo, percepções diferentes, hierarquizações distintas
e recursos desiguais geram uma multiplicidade de políticas que torna a
convergência no interior de cada sociedade e entre os diversos países um
processo extremamente difícil e gerador de incertezas significativas.
São essas incertezas que estão presentes na elaboração dos
cenários sobre a energia no futuro. O que é importante ressaltar é que essas
incertezas atualmente perpassam as instituições; dificultando o exercício do
seu papel decisivo que é estabilizar as expectativas e reduzir as inquietudes
dos agentes econômicos e dos atores sociais em relação ao futuro.
O médio prazo (2030)
Considerando o horizonte de 2030, pode-se vislumbrar as
instituições energéticas evoluindo em torno dos dois primeiros momentos
abordados anteriormente. Ou seja, o reconhecimento e a gestão do trade-off.
Neste caso, considera-se que hoje a redução do trade-off,
propriamente dita, representa mobilizar recursos para viabilizá-la no futuro.
Em outras palavras, a redução do trade-off e, portanto, a
convergência das soluções para os problemas de segurança energética e mudança
climática não estão naturalmente disponíveis. Na verdade, necessitam ser
construídas e, para isso, é preciso mobilizar recursos tecnológicos,
organizacionais e institucionais significativos para alcançá-las em um
horizonte de tempo de longo prazo.
Dessa forma, o que se desenha no médio prazo é todo o
processo de reconhecimento do trade-off e de sua gestão.
Dessa maneira, essa etapa da evolução do contexto
institucional energético é marcada pela distribuição de penalidades e
incentivos. Penalidades ao uso dos combustíveis fósseis e incentivos à
eficiência energética e ao uso dos renováveis.
A amplitude desses incentivos e dessas penalidades está
intimamente ligada às características das instituições e dos seus contextos
locais.
Nesse caso, sobressaem as diferentes percepções do problema
e da sua gravidade, assim como a distribuição dos sacrifícios e dos incentivos
entre os agentes econômicos e sociais e entre os países.
Nesse contexto, o embate em torno do reconhecimento do
problema e de sua gravidade adquire uma natureza política que pode ser
sintetizada pelas duas extremidades do espectro de negação do problema: os
conservadores americanos que negam qualquer correlação entre consumo de
combustível fóssil, aquecimento global e mudança climática e os ambientalistas
radicais que negam qualquer relação entre consumo de combustível fóssil,
desenvolvimento econômico e bem-estar. Tanto para um quanto para outro, usar ou
não o combustível fóssil não faz diferença e, portanto, não pode ser traduzido
em termos de insegurança climática ou energética; o que torna a discussão sobre
o sacrifício desnecessária e sem sentido e faz com que o problema simplesmente
desapareça.
As políticas energéticas que irão desenhar o contexto
energético até 2030 vão depender essencialmente das posições hegemônicas que
brotarem desse embate e que vão configurar uma dada estrutura de penalidades
(aos fósseis) e benefícios (às renováveis) específica a essas posições.
Estrutura essa que define não apenas a extensão desses benefícios e
penalidades, mas quais serão as fontes, as tecnologias, os agentes econômicos,
os atores sociais e os países que serão beneficiados e quais aqueles que serão
penalizados.
Em suma, quanto será a conta, quanto será o bônus; quem
pagará a conta, quem ficará com o bônus.
É evidente que quanto maior o reconhecimento da gravidade da
situação maior será a conta e, em consequência, mais dura será a discussão em
torno da sua distribuição.
A fonte de transição
Nesse quadro de disputa acirrada e tensa, ganha importância
os recursos que possam amenizar a transição e reduzir, de alguma forma, o
acirramento e a tensão e, desta forma, abrir a possibilidade de se construir
algum tipo de consenso.
Esse amenizante das dores e dos sacrifícios da transição –
verdadeiro analgésico energo-climático – pode adquirir vários aspectos;
contudo, as soluções para a transição que apresentaram maior proeminência até
agora foram a nuclear e o gás natural.
A primeira tem a vantagem de não ser um combustível fóssil
e, por conseguinte, de não gerar gases de efeito estufa na sua utilização.
Porém, apresenta problemas clássicos de segurança que geram grandes
desconfianças da sociedade em relação ao seu uso.
Dado os elevados riscos envolvidos na sua utilização, a
implementação do nuclear como solução envolve a mobilização de recursos
tecnológicos, organizacionais, institucionais, econômicos e financeiros de
monta.
Isso leva o nuclear para o campo daquelas soluções que
necessitam de incentivos para se estabelecerem; como é o caso das renováveis.
Se, por um lado, em termos de estocabilidade e densidade o nuclear se fortalece
como substituto dos fósseis, por outro, os seus riscos o tornam mais vulnerável
a proibições e sanções, o que o enfraquece como solução de consenso.
Contudo, não se deve descartar a participação dessa fonte no
quadro energético que vai até 2030; principalmente em um cenário no qual
ocorram restrições maiores ao uso do combustível fóssil que ponham em risco a
segurança energética.
Face às dificuldades do nuclear, restou em cena o gás
natural, turbinado pela shale gas.
Com o gás abre-se a possibilidade de uma transição menos
dolorosa e, portanto, passível de ser negociada.
Visto por esse ângulo, essa seria uma fonte que aumentaria a
sua importância no cenário energético até 2030, baseada no fato de ser a energia
fóssil que emite menos CO2.
Dessa forma, até 2030 haverá muita tensão em torno da
definição de uma política energética de combate à insegurança energética e
ambiental, fazendo com que ocorra uma diversificação controlada da matriz
energética na direção de alternativas aos combustíveis fósseis.
Essa diversificação provavelmente irá na direção dos
renováveis disponíveis hoje, com as tecnologias de hoje e com os custos de
hoje. O que passa incontornavelmente por recorrer ao binômio
incentivo/penalidade de forma a tornar os renováveis mais competitivos e os
fósseis menos competitivos. Binômio esse que também tem um papel importante na
implantação dos programas de eficiência energética incentivando as tecnologias
mais eficientes e penalizando o desperdício.
Assim o coquetel energético até 2030 segue tendo como
principal ingrediente os combustíveis fósseis tradicionais, com um aumento da
participação do gás natural. O nuclear segue à mão para o caso da pressão por
segurança energética aumentar. E os renováveis crescerão a sua participação em
um ritmo constante, porém não explosivo.
No campo institucional, enquanto não se vislumbrarem
possibilidades concretas de redução do trade off segurança energética versus
mudança climática, o conflito seguirá acirrado tanto entre os diversos agentes
econômicos e sociais quanto entre os países.
Convergência e consenso aqui, só sob a ameaça de uma
catástrofe ambiental irrefutável.
O longo prazo (2050)
No horizonte de 2050 é possível contemplar a redução do
trade off e a redução das tensões em torno da difícil administração dos
sacrifícios da transição.
Aqui a redução pode ser alcançada não só mediante uma nova
mediação tecnológica entre necessidades e recursos, caracterizada por uma baixa
intensidade de carbono, como mediante a alteração das próprias necessidades. Ou
seja, não só é possível imaginar uma configuração de recursos distinta da
atual, mas uma configuração de necessidades também diferente da atual.
Embora o horizonte de tempo seja distante, dada a gravidade
do problema energético/ambiental, a urgência de se tomar medidas no curto e
médio prazo pode encurtar os prazos da decisão. Em outras palavras, se houver
uma percepção de que a sensibilidade climática é muito grande, as pressões para
a redução das emissões irão aumentar muito, sob a ameaça de que não haja o
longo prazo.
Assim, se a sensibilidade é baixa, o desenrolar do processo
de mudança climática irá transcorrer em um timing no qual haverá tempo para uma
transição indolor dividida nas duas fases apresentadas acima. Nessa transição,
a chegada ao paraíso das renováveis se dará em 2050, com as novas tecnologias e
os novos hábitos, amadurecidos através de um longo processo sustentado de
transformação tecnológica e institucional.
No entanto, se a sensibilidade for alta, o desenrolar do
processo de mudança climática será acelerado, sem tempo para uma transição
indolor. Na verdade, a própria ideia de uma transição desaparece e a passagem
de uma economia de alto carbono para uma economia de baixo carbono terá que ser
feita diretamente. Nesse caso, os custos serão altíssimos e as pressões sobre
as instituições terríveis.
Em suma, em termos de longo prazo, a questão importante para
as instituições é a seguinte: o processo de mudança climática se desenvolverá
em um ritmo que o horizonte de 2050 permanecerá sendo apenas uma referência no
futuro, ou a aceleração do processo fará com que esse futuro bata na porta das
instituições agora? (ambienteenergia)
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