quarta-feira, 30 de março de 2011

Risco atômico vale a pena?

Para ativista antinuclear francesa, risco atômico não vale a pena
Militante defende descentralização da matriz energética e prevê desfecho sombrio em Fukushima
Fukushima
Garota desabrigada passa por teste de radiação
Na França, que é o segundo país que mais usa energia nuclear no mundo, com 58 reatores em funcionamento e mais um em construção, a ONG Sortir du Nucléaire se dedica a contestar a segurança das atuais usinas atômicas. Para a porta-voz do grupo, a física e engenheira Perline Noisette, de 55 anos, que esteve no Brasil fazendo um doutorado sobre o acidente com o césio-137 retirado de um aparelho radiológico em Goiânia, em 1987, o uso desse tipo de tecnologia "sempre envolve risco". A solução, diz a ativista, é descentralizar a matriz energética - e não investir em projetos de grande porte com enorme geração de energia em um único local, sejam eles nucleares ou hidrelétricos.
De que maneira sua tese influenciou sua visão sobre o uso da tecnologia nuclear?
Eu já estava engajada na causa antinuclear antes de ir ao Brasil. Tive uma formação em física que me permitia trabalhar no campo nuclear e, embora nessa época - anos 70 e 80 - não existisse propriamente um movimento verde, já havia muita gente preocupada com os riscos (da energia atômica). Eu estava entre eles. Em 1993, poucos anos depois do acidente com o césio-137 em Goiânia, fui ao Brasil para fazer meu doutorado - durante o qual trabalhei com o (físico brasileiro e ex-presidente da Eletrobrás) Luiz Pinguelli Rosa. No estudo, analisei aspectos econômicos, tecnológicos, psicológicos e midiáticos envolvendo o acidente. O que mudou para mim foi a visão de que um acontecimento desses é banal: salta aos olhos a falta de controle no que se refere ao uso e ao descarte desses equipamentos que representam grande risco à saúde humana. Algo que não ocorre apenas no Brasil.
Até que ponto o incidente em Fukushima pode ser considerado excepcional, tendo em conta a catástrofe natural que o precedeu? Os vazamentos radioativos são a prova de que não existe segurança na questão nuclear?
Há a causa dos problemas na central nuclear, que foi o terremoto, e problemas posteriores que decorreram dele. Do ponto de vista da resistência ao terremoto, a coisa funcionou bem: os reatores pararam imediatamente, como previsto nas medidas de segurança. Aí, vem o depois, porque um reator não é uma bicicleta. Uma usina tem dejetos radioativos armazenados em piscinas, que precisam ficar resfriados. E esses sistemas de segurança, que manteriam as piscinas resfriadas, é que falharam. Primeiro, pararam os sistemas elétricos. Depois, a alimentação de emergência. E, quando começa o aquecimento, todo aquele bonito sistema de segurança começou a fazer água. Nada mais funcionou direito. As consequências se tornaram incontroláveis. Lendo os relatórios técnicos sobre a situação atual, nota-se que as seis piscinas dos seis reatores correm o risco de sofrer fusão e liberar material radioativo.
Ou seja, o comissário europeu de Energia, Günther Oettinger, não exagerou ao chamar a situação de "apocalíptica".
Nem um pouco. Como ele é um técnico, não um político, vê bem as coisas como elas são. Já é evidente para mim que haverá, na melhor das hipóteses, a liberação de um monte de radioatividade no meio ambiente. A diferença para Chernobyl é que lá o reator explodiu sem qualquer chance de controle e as partículas radioativas subiram muito alto, sendo levadas pelo vento. Em Fukushima, ninguém está 100% certo de que algum reator não exploda. E, pela quantidade de radioatividade liberada até agora, me parece claro que pelo menos 50 pessoas irão morrer nas próximas semanas.
A sra. fala dos "50 de Fukushima", os trabalhadores da usina que estão tentando resfriar os reatores?
Se é que as informações até agora divulgadas pelos japoneses podem ser consideradas inteiramente confiáveis. Os americanos já recomendam a seus cidadãos um afastamento de 80 quilômetros da usina por causa dos efeitos da radiação. É uma catástrofe, realmente. Quando penso nas 50 pessoas que estão lá... Elas já não estão vivas, estão mortas. Eu me sinto muito mal por elas, não tenho sequer conseguido dormir. Veja que praticamente todos os jornalistas franceses que foram participar da cobertura do terremoto, voltaram para a França. Repórteres que se dispõem a cobrir terremotos, guerras, inundações, tiveram medo e abandonaram o país.
Esses acontecimentos, em um país considerado de alto grau de segurança, afetarão a percepção que o mundo tem do uso da tecnologia nuclear?
Sim. E, infelizmente, essa tragédia teve de ocorrer para a verdade vir à tona. A Alemanha anunciou que encerrará as atividades dos reatores com mais de 30 anos. A Suíça também está revendo o seu programa nuclear. Quando o problema ocorreu em Chernobyl, em um lugar pobre (Ucrânia), de gente atrasada, em uma ditadura, foi mais fácil de relevar. Mas o Japão era referência nesse tipo de tecnologia, especialmente por sua condição de país passível de terremotos, tsunamis, etc. A França garante que sua tecnologia é segura, embora os franceses jamais tenham sido consultados sobre o uso desse tipo de tecnologia, que sempre envolve risco. Nem antes nem depois da instalação de nossas usinas.
O Brasil tem duas usinas nucleares, Angra 1 e Angra 2, e planeja a construção de uma terceira. Nos últimos anos, a opção nuclear passou a ser vista de maneira menos negativa no País em razão dos grandes danos ambientais na construção de hidrelétricas, por exemplo. Qual a solução para lidar com o déficit de energia?
A solução é descentralizar a energia. O Brasil tem sol, vento e muito boa tecnologia. Se o País pode construir centrais nucleares, pode perfeitamente construir geradores de energia eólica, por exemplo. Ou disseminar painéis solares em casas e edifícios. Argumenta-se que essas fontes ainda são caras - o que é verdade, se você faz poucas unidades. Se você as produz em grande escala, porém, é possível baixar consideravelmente seus custos. E descentralizar a produção de energia significa também evitar o enorme desperdício no transporte dessa energia. Há uma perda enorme nas linhas de transmissão entre as hidrelétricas e as usinas nucleares para o local onde a energia será de fato usada. Quando se fala nos "baixos custos" da geração de eletricidade em uma usina nuclear, frequentemente se subestima o preço do armazenamento, por décadas, dos dejetos radioativos. Sem falar do risco de um incidente como o que estamos vendo. Recentemente, uma lei na Europa tornou obrigatório o uso de lâmpadas econômicas. Uma boa estratégia energética atua, simultaneamente, na redução do consumo e na adoção de produção local da energia necessária. Projetos gigantescos, com enorme geração de energia em um único local, são coisas do passado. O Brasil deve aproveitar os equipamentos hidrelétricos de que já dispõe, mas construir novos. O impacto catastrófico na fauna, flora e povos indígenas, não é exatamente uma política moderna. (OESP)

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