''Nós não podemos nos dar o luxo de ignorar a tecnologia nuclear''
O Brasil encomendou estudo para definir outros locais no País que poderiam acolher usinas nucleares. O pesquisador Moacyr Duarte, da Coppe-UFRJ, participou do levantamento e explica os critérios utilizados. Em meio ao debate levantado pelo incidente em Fukushima, Duarte comentou a segurança da central de Angra.
Como escolher um lugar para construir uma usina nuclear?
Participei de um estudo que identificou 40 locais no País onde poderiam ser construídas centrais nucleares. Queremos dar oportunidade de escolha para o gestor e para a sociedade. Os resultados serão apresentados no futuro pela Eletronuclear e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE, ligada ao Ministério de Minas e Energia). Primeiro, listamos um conjunto de 25 critérios que deveriam ser respeitados necessariamente: ausência de falhas geológicas ativas, de ação marinha imprevisível, de bioma raro. Se tais regras tivessem sido respeitadas, a usina de Fukushima, por exemplo, jamais teria sido construída naquele lugar. Depois, listamos outros 20 critérios que também convém respeitar: ausência de núcleo populacional com mais de 20 mil pessoas, de patrimônio histórico-cultural nas redondezas. Por fim, usamos um sistema de georreferenciamento para identificar, no País, todos os lugares que cumprem essas condições.
E agora? O que o governo fará com os dados?
Há pelo menos mais duas fases. Na primeira, serão identificados os locais com melhor infraestrutura. Na segunda, analisarão a conveniência estratégica de cada um: distância das linhas de transmissão, dos mercados consumidores, etc.
Se tais critérios fossem aplicados no passado, a central nuclear de Angra teria sido construída no lugar onde está hoje?
Não. O regime militar não utilizou critérios técnicos ao escolher a praia de Itaorna, em Angra. Eles priorizaram a segurança. A praia fica perto de um morro e seria difícil fazer um ataque aéreo chegando pelo continente. Não pesaram, porém, os prós e contras técnicos. Um inconveniente é o acesso: uma estrada sinuosa que acompanha o recorte do litoral. Isto, naturalmente, dificultaria o transporte de equipamentos de emergência ou a retirada de população. Em alguns trechos, é necessário andar três quilômetros na estrada para afastar-se um quilômetro - em linha reta - da central. Por outro lado, a cadeia de morros impediria que vapor tóxico se espalhasse pela região - como tememos que aconteça no Japão. Ele ficaria preso nas encostas ao redor. Ou seja, há vantagens e desvantagens.
A central é segura?
Sim. Os operadores das usinas são respeitados no mundo inteiro e ela tem adotado uma posição transparente. Todas as vezes que a Justiça determinou qualquer coisa, a central acatou. Quando a sociedade exigiu mais informações, ela correspondeu. Penso que a energia nuclear é segura em democracias, pois a sociedade pode exercer controle e exigir medidas eficazes de segurança. É o caso do Brasil. Por outro lado, compreendo o risco associado ao uso da tecnologia por países como o Irã. Além do risco de produção de armas, há sempre a possibilidade de um acidente nuclear. Haveria órgãos independentes para garantir a segurança dos reatores? Chernobyl, na antiga União Soviética, é um ótimo exemplo de como pode ser desastrosa uma usina nuclear em uma sociedade não democrática.
Vale a pena investir em energia nuclear no País?
Considerando a grande quantidade de variáveis que interferem na nossa matriz energética, creio que não podemos nos dar ao luxo de ignorar essa tecnologia. Não digo que seja conveniente cobrir o Brasil de usinas nucleares, mas pode ser interessante em vários lugares.
QUEM É
Graduado em Engenharia Química e Geografia, com mestrado em energia nuclear e doutorado em planejamento de emergência, atua no Grupo de Análise de Risco Tecnológico e Ambiental (Garpa) da Coppe-UFRJ. Tem trabalhado em projetos da Eletronuclear para ampliar o plano de contingenciamento do complexo de Angra dos Reis. (OESP)
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