Tudo que sobe cai.
Esta verdade não vale apenas para a lei da gravidade, mas também para os
diversos sistemas econômico-culturais da história da humanidade. A ascensão do
império de Nabucodonosor desmoronou junto com os jardins suspensos da
Babilônia. Após a ascensão dos impérios Persa, Egípcio, Grego, além do império
progressista de Asoka na Índia e do império guerreiro de Qin Shi Huang na
China, houve um período de plenitude, mas depois de certo tempo todas essas
civilizações colapsaram. O império Otomano calapsou. O império Maia colapsou. O
império Austro-Húngaro colapsou, assim como tantos outros.
O “Abismo de Sêneca”
é uma teoria utilizada para descrever a tendência das civilizações entrarem em
colapso depois de ter atingido o seu pico máximo. O Império Romano gastou mais
de 500 anos para chegar ao seu apogeu mas desmoronou em pouquíssimo tempo. Por
isto se diz que a evolução da riqueza é lenta, mas a ruína é rápida. Mais
recentemente o mundo assistiu a ascensão do império Soviético durante 70 anos e
seu colapso em menos de um ano. Há várias pessoas que falam também em um
possível colapso americano.
Mas, para além dos
colapsos específicos, o mundo pode assistir a uma transformação maior do que a
apresentada nos exemplos acima. Trata-se do colapso dos 250 anos da civilização
dos combustíveis fósseis (1768-2018). Antes da invenção da máquina a vapor, por
James Watt, em 1768, eram utilizadas três fontes básicas de energia: a força
humana, a força animal e a energia da lenha (carvão vegetal obtido nas
florestas). Para plantar, a humanidade usava a enxada ou o arado puxado por
algum animal. A locomoção era a pé, no lombo de cavalos, camelos, etc. ou em
carroças. Não existiam prédios com elevadores. A luz vinha das fogueiras ou da
gordura de animais, como os óleos de baleia e tartaruga. A concentração de CO2
na atmosfera estava em torno de 280 partes por milhão (ppm).
Todavia, tudo isso
mudou com o início da Revolução Industrial e Energética que aconteceu no final
do século XVIII. O artesão foi substituído pela manufatura que, por sua vez,
foi substituída pela grande indústria. O transporte foi revolucionado, primeiro
pelas ferrovias e pelos navios a vapor, depois pelo automóvel, caminhão e
rodovias, transatlânticos (e transpacíficos), aviões, helicópteros, etc. A
pequena agricultura foi substituída pela grande produção agrícola na base de
fertilizantes, agrotóxicos, tratores, colhedeiras, etc. As cidades que
abrigavam 5% da população mundial em 1800 passaram a abrigar 50% em 2008 e
devem chegar a 70% em 2050. A mortalidade infantil caiu e a esperança de vida
ao nascer da população mundial chegou a 70 anos, em 2013. Tudo isto foi
possível graças ao uso da energia advinda do carvão mineral, petróleo e gás.
Os ganhos foram
extraordinários. Considerando o período 1768 a 2018 (auge da utilização dos
combustíveis fósseis), a população mundial saltou de cerca de 760 milhões para
7,6 bilhões de habitantes (multiplicando por 10 vezes em 250 anos) enquanto a
economia deve apresentar um crescimento de 130 vezes no mesmo período (números
interpolados dos cálculos de Angus Maddison). Assim, o pulo do gato na história
do homo sapiens foi o uso da energia extrasomática (exterior ao corpo humano ou
animal). A exploração dos combustíveis fósseis tornou possível à humanidade
libertar, para uso próprio e em curto intervalo de tempo, vastas quantidades de
energia acumuladas durante milhões de anos na forma de hidrocarbonetos. A
humanidade deixou de temer a natureza e passou a controlá-la e dominá-la.
Entramos na Era do Antropoceno, que é a época em que a humanidade se torna
capaz de mudar o curso natural da vida no Planeta, sendo determinante para a
extinção em massa de inúmeras espécies e pelo aquecimento global e as mudanças
climáticas.
Como calculou Price
(1995), o uso dos combustíveis fósseis é equivalente à posse de 50 escravos por
pessoa no mundo. Sociedades altamente intensivas no uso do petróleo, como os
Estados Unidos (EUA), teriam o equivalente a 200 escravos per capita. Ou seja,
seria com se os EUA tivessem 62 bilhões de “escravos fantasmas” à disposição do
país, sendo que estes escravos não fazem greve, nem revoltas e não precisam de comida,
ao contrário, ajudam a alimentar o “senhorio” humano.
Desta forma, pode-se
dizer que o “santo” que propiciou o “milagre” do crescimento da civilização
humana nos últimos 250 anos foi, sem dúvida, o combustível fóssil. É claro que
a ciência e a tecnologia ajudaram o crescimento econômico, o aumento da
produtividade e a disponibilidade de alimentos. O crescimento demográfico
também foi fundamental para aumentar o número de trabalhadores e de
consumidores. Mas sem energia abundante não haveria oferta de meios de
subsistência e nenhuma invenção científica e tecnológica funcionaria. Desta
forma, não é possível ignorar que oitenta por cento da matriz energética
mundial advém do petróleo, gás e carvão mineral. Porém, este “escravo barato e
cheio de energia” não é eterno e nem ilimitado. O “ouro negro” está ficando
caro e cada vez mais escasso. Os problemas ambientais se avolumam e a demanda
de energia aumenta com o crescimento das atividades antrópicas.
O petróleo e demais
combustíveis fósseis não vão acabar totalmente e de repente, mas a exploração
de novas reservas vai ficar economicamente muito cara, tornando-as inviáveis
comercialmente. Um campo de petróleo é uma jazida onde o petróleo ocupa o
espaço poroso entre os grãos da rocha reservatório. A jazida é uma armadilha
(no Brasil, costuma-se dizer “trapa”, de trap, em inglês) que retém o petróleo
no seu caminho ascendente a partir da rocha geradora. Mas a jazida é diferente
de reserva, pois nem todo o petróleo de um campo pode ser extraído. Reserva de
petróleo é o volume que se pode extrair, comercialmente, de uma jazida, pelos
métodos de recuperação e produção conhecidos, sob as condições econômicas e
regulamentares vigentes. Além disto, há custos crescentes no transporte, no
armazenamento, no refino, etc.
Na primeira metade do
século XX, a EROEI (energia retornada sobre energia investida) era alta.
Atualmente existe uma erosão da EROEI e muitos poços se tornam deseconômicos.
Isto quer dizer que o limite máximo (pico) para a produção de petróleo pode
ocorrer muito antes do esgotamento das jazidas, talvez a partir de 2018. Por
exemplo, o Estado da Califórnia era o maior produtor dos Estados Unidos há 100
anos. Mas os campos foram se esgotando e agora a Califórnia está em terceiro
lugar. A possibilidade de produzir gás de xisto (hydraulic fracturing and
horizontal drilling) está esbarrando na falta de água e nos perigos de
contaminação dos lençóis freáticos. Entre o gás e a água parece que a
Califórnia vai ter que optar pela água e buscar uma saída da dependência dos
combustíveis fósseis. O fato é que a produção de petróleo convencional está
estagnada.
O pico de Hubbert
(Hubbert’s peak) é uma teoria que modela a produção de petróleo indicando que
as descobertas e a produção seguem, de início, a forma de uma curva logística –
apresentando um crescimento lento no começo, se acelerando em um estágio
posterior e depois se desacelerando até se inverter e fazer o movimento
logístico para baixo. Ou seja, a produção de petróleo segue o comportamento de
uma curva normal, ou em forma de sino (curva de Gauss). A teoria foi
desenvolvida pelo geofísico americano M. King Hubbert, que em 1956, publicou um
artigo mostrando que o pico (máximo da produção) de petróleo, no mundo, deveria
ser atingido em torno de 50 anos. Depois deste pico, a produção cairia
rapidamente, podendo criar um grande desequilíbrio entre a demanda e a oferta,
o que provocaria um grande aumento do preço dos combustíveis fósseis.
De fato, a produção
convencional de petróleo cru atingiu seu pico em algo como 75 milhões de barris
dia, por volta do ano 2005, exatamente 50 anos depois das previsões de Hubbert.
O que tem crescido nos últimos anos é a extração do petróleo não convencional,
como o gás de xisto, as areias betuminosas e o petróleo das profundezas abissais
do pré-sal. Assim mesmo, estas fontes não convencionais estão se mostrando
incapazes de compensar o declínio da produção convencional. A depleção dos
hidrocarbonetos parece inevitável.
Diversos estudiosos e
especialistas do tema, como Gail Tverberg, estão prevendo que o Pico do
Petróleo (e dos combustíveis fósseis) será atingido entre 2015 e 2020. A partir
daí haverá um declínio rápido, o que poderá provocar um grande aumento do preço
dos combustíveis e uma crise econômica maior do que a “estagnação secular” e de
tudo que já se viu antes.
Sem energia barata e
abundante, ou seja, sem os tais “escravos baratos e cheios de energia” o mundo
deve passar por uma grande crise econômica e social. O PIB deve cair e o
desemprego deve aumentar. Pode ser o fim do desenvolvimento como se conhece.
Diversos países já passam por esta situação como os PIIGS (Portugal, Itália,
Irlanda, Grécia e Espanha) e diversos outros passam por crises econômicas,
políticas e sociais: Tailândia, Ucrânia, Síria, Egito, Argentina, Venezuela,
Turquia, etc. Para agravar a situação, o preço dos alimentos vai subir, pois
grande parte da agricultura mundial é “petroficada” e não funciona sem os
fertilizantes, agrotóxicos e o transporte, tudo dependente dos combustíveis
fósseis.
O pico do petróleo
está associado ao aumento do desemprego e do preço dos alimentos. Segundo
Relatório do NECSI (New England Complex Systems Institute) publicado em 2012,
há uma correlação importante entre o aumento do preço dos alimentos, calculados
pela FAO (agência da ONU para a agricultura) e a ocorrência de protestos em
todo o mundo. Sempre que o índice da FAO sobe, ocorrem mais manifestações.
Crise econômica e crise ambiental, numa situação de enorme desigualdade social,
pode ser um fator novo como nunca se viu nos últimos 200 anos. Pode crescer as
revoltas populares e não é improvável imaginar uma situação de “canibalismo
social”, desafiando as regras da civilização piramidal hierárquica.
Assim, o sonho do
progresso civilizatório dos cornucopianos pode se transformar em colapso e no
pesadelo do fim da civilização dos combustíveis fósseis e do consumo
ostentatório. Esta situação atinge os regimes capitalista e socialista, ou
seja, o modelo de sociedade urbana-industrial, independentemente de quem são os
proprietários dos meios de produção. Poderá ser o fim do desenvolvimento
econômico, em suas formas liberal ou estatal.
A entropia, ou
degradação de energia, já havia sido prevista pelo economista romeno Nicholas
Georgescu-Roegen, que nos anos de 1970, mostrou que a economia não pode ignorar
a 2ª Lei da Termodinâmica. Uma mesma fonte de energia não pode ser queimada
duas vezes, muito menos ad infinitum. Antes do crescimento da civilização do
Homo Sapiens, ocorria a retenção da energia mais rapidamente do que a sua dissipação.
Atualmente, a sinergia está sendo substituída pela entropia. Georgescu-Roegen
mostrou que, em algum momento, a escala da economia teria que ser reduzida,
tanto em termos de capital, quanto de força de trabalho. Ou seja, ele mostrou
que a alternativa para o declínio da civilização e a possível catástrofe
econômica e ambiental seria o decrescimento das atividades antrópicas, quanto
mais cedo melhor.
Mas parece que a
humanidade ainda não acordou do sonho de grandeza e, provavelmente, terá que
pagar um alto preço por ignorar uma verdade muito simples: que não pode haver
crescimento infinito em um planeta finito, com recursos naturais escassos e com
declínio da exergia (energia disponível). O ajuste entre o consumo humano e a
biocapacidade do Planeta deve ocorrer, mais cedo ou mais tarde, e quem se
preparar melhor poderá sofrer menos com o fim da civilização dos combustíveis
fósseis. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário