Lei do mercado: os carros (ou carroças) não vão ficar mais baratos
Não é fácil (nem barata) a vida do motorista que opta por um carro feito
no Brasil.
Em 1994, voltei para o Brasil depois de passar alguns anos nos Estados
Unidos como correspondente. Foi um choque. O país vivia a festa do real, a nova
moeda, supervalorizada e, aparentemente, abundante. Os salários da classe média
brasileira estavam mais altos do que os dos americanos com funções semelhantes
e os preços daqui, absurdamente mais altos do que lá.
De forma menos intensa, estamos vivendo uma
época semelhante. A disponibilidade, seja de dinheiro no bolso ou de crédito em
longo prazo, ajuda as vendas a aumentarem. Vendem-se mais carros, imóveis,
roupas, viagens e até comida. E, como há milênios todo mundo sabe, maior a
procura, maiores os preços.
Quando retornei ao Brasil, a indústria
automobilística não estava conseguindo atender à demanda. O ágio reinava. Os
carros populares, ainda uma novidade, que eram tabelados por volta dos R$ 8
mil, eram vendidos por R$ 11 mil ou mais. E ninguém deixava de comprá-los. Quem
tinha um pouco mais de dinheiro pagava preços absurdos por importados, muitas
vezes de qualidade baixa, apenas pela novidade.
Hoje, as vendas de automóveis continuam
crescendo, mesmo que num ritmo menor que há um ano. A maioria dos fabricantes
no Brasil trabalha no máximo de sua capacidade e continua a investir em novas
instalações e na ampliação das já existentes. Com os consumidores dispostos a
comprar, não dá para enxergar razões para que eles, seus revendedores e
financeiras pensem em reduzir suas plácidas margens de lucro.
Ninguém discorda que, no presente, o Brasil é
um dos países mais caros no mundo para se viver. A carga de impostos e a
infraestrutura oferecida em troca chegam a lembrar do tempo do Brasil colônia,
quando a maioria da arrecadação ia para Lisboa e, por aqui, faltavam estradas,
segurança, saneamento e educação. Quem viaja para os Estados Unidos e Europa
deveria dar um tempo nas suas visitas aos shoppings centers para dar uma olhada
nos supermercados -- neles, vai descobrir que pão, leite e outros alimentos
básicos são mais baratos por lá do que aqui. Não é só o Big Mac.
O barato ficou caro
Além de pagar caro, nós, brasileiros, estamos
condenados, pelo menos por algum tempo, a comprar veículos já superados
tecnicamente. Nossos carros são menos confortáveis, consomem e poluem mais e
são muito menos seguros do que os lançados no exterior nos últimos cinco ou dez
anos. A razão é que os grandes grupos internacionais têm políticas globais e o
Brasil foi escolhido para ser um grande fabricante de carros baratos, para
serem vendidos por aqui mesmo ou para países de baixa renda.
O que está provocando reações da indústria é
que o "Custo Brasil" disparou, inviabilizando a venda de nossas
carroças motorizadas no exterior. Pelos preços que têm, os automóveis
brasileiros competem com produtos muito mais modernos, econômicos, melhor
equipados e mais seguros, fabricados em outros países. E a diferença já é tanta
que, mesmo aqui, carros que pagam 35% de impostos de importação conseguem ser
competitivos.
Economia é um campo muito complexo. Preços
são regulados por vários fatores, além dos impostos e dos custos de produção.
Concorrência é um fator que pesa muito: produtos melhores por menor preço ou
produtos equivalentes por preço menor provocam redução nas margens de lucro e
melhoria na qualidade dos automóveis. Pode ser que a chegada de novas marcas ao
mercado brasileiro acabe ajudando nesse sentido.
O que interessa é vender
É bom lembrar, no entanto, que a maioria dos
carros importados é trazida pelos grandes fabricantes, que aplicam a eles
margens de lucro ainda maiores que as obtidas nos nacionais -- uma forma de
manter os produtos locais competitivos. Há uns cinco ou seis anos, fiz uma
matéria sobre o Volkswagen Jetta, fabricado no México, um carro que, na época,
era um derivado do Golf duas gerações mais novo que o fabricado no Brasil, mas
custava pouquíssima coisa mais que a versão mais cara do hatch nacional. Mais
potente, mais equipado, mais confortável e mais seguro.
Alfred Sloan, que comandou a General Motors
por muitas décadas, disse uma vez que a razão de ser da indústria automotiva
não é fabricar carros, mas vendê-los. Uma obviedade, mas que muita gente
esquece: empresas existem para ter lucro. Enquanto os consumidores tiverem
condições e estiverem dispostos a pagar caro e os cidadãos não pressionarem
efetivamente para que os impostos diminuam, os preços não vão cair. Nem os dos
carros, nem os dos imóveis, eletrônicos, leite, pão, carne, feijão e arroz. (uol)
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