IPCC mudou de opinião sobre biocombustíveis desde 2007
A opinião do IPCC (o painel do clima da ONU) sobre o uso dos
biocombustíveis como uma forma de lidar com as mudanças climáticas parece ter
mudado entre um relatório e outro. Na versão atual aparece uma menção negativa
ao seu uso – o que se tornou o ponto mais sensível para o Brasil na discussão
do sumário da segunda parte do relatório, que fala de impactos,
vulnerabilidades e adaptação.
O relatório anterior (AR4), de 2007, no entanto, tratava a
alternativa aos combustíveis fósseis como bem-vinda. O tema havia sido tratado
naquela ocasião dentro do terceiro grupo de trabalho, que trata de medidas de
mitigação, ou seja, ações que podem reduzir as emissões de gases de efeito
estufa.
O texto dizia que os biocombustíveis poderiam “desempenhar
um papel importante no combate às emissões de gases de efeito estufa” e chegava
a identificá-los como “estratégia chave de mitigação” para o setor de
transportes, “dependendo de seu modo de produção.”
A segunda parte do relatório atual (AR5), que está em fase
final de discussão – representantes dos governos definem os termos do sumário
para formuladores de políticas – vem com um tom bem menos positivo.
“Aumentar o cultivo de plantações para bioenergia coloca
riscos para ecossistemas e a biodiversidade, apesar de a contribuição da
energia de biomassa para a mitigação reduIr os risos relacionados ao clima”,
aponta, com “alto grau de confiança”, a versão preliminar do sumário.
No sumário para formuladores de políticas do relatório de
2007, o IPCC chegava a alertar que um “uso disseminado” de terras
agriculturáveis para a produção de biomassa para energia “pode competir com
outros usos da terra e pode ter impactos positivos e negativos e implicações
para a segurança alimentar”.
Além disso, dizia que “plantações de bioenergia podem levar
a recuperação de terrenos degradados, gerenciar o escoamento da água, reter
carbono no solo e beneficiar as economias rurais, mas poderia competir com
terra para produção de alimentos e pode ser negativo para a biodiversidade, se
não for devidamente projetado”.
Há uma diferença visível de tom. Enquanto no AR5 o risco
aparece categórico, no AR4 ficava mais nas possibilidades: pode, poderia.
Passaram-se sete anos de um relatório para o outro e muitas
pesquisas foram publicadas nesse período levantando questionamentos sobre o
avanço da produção de biocombustíveis. Ganhou peso uma área que investiga os
chamados danos indiretos, ou seja, a plantação de uma cultura em uma região
acabaria empurrando outra para áreas de floresta, que seriam desmatadas.
“Reduções de gases de efeito estufa a partir da produção de
biocombustível e seu uso (comparado com o de combustíveis fósseis) pode compensada
parcialmente ou inteiramente por décadas ou séculos por emissões de CO2
induzidas de desmatamento”, escrevem os autores do capítulo que fala de Riscos
Emergentes e Vulnerabilidades-Chave.
E continuam, citando um cenário brasileiro: “No Brasil, é
esperado que a expansão dos biocombustíveis incida sobre o Cerrado, a Amazônia
e a Mata Atlântica – todos os três têm altos níveis de biodiversidade e de
endemismo”.
Incompreensão. Esse dado vem de um estudo de 2010 feito pelo
ecólogo da Unesp David Lapola, que disse achar que seu trabalho não foi muito
bem compreendido pelo IPCC.
Ele trabalhou com modelagens explorando um cenário extremo
de expansão da cana para produção de etanol e de soja para biocombustíveis. A
cana no Sudeste e a soja no Mato Grosso.
“Para a cana consideramos que até 2020 ela se expandiria
sobre áreas de pastagem, que é o que vem acontecendo. Aí imaginamos que a
demanda de pecuária que estava alocada ali seria realocada para outra outras
áreas, de Cerrado e Amazônia”, explica.
Até aí a menção do IPCC faz sentido, “mas para a Mata
Atlantica não”, diz. “A cana não está ameaçando o bioma, que, pelo contrário,
está começando a se recuperar. Os produtores têm feito projetos de
reflorestamento.”
No caso do deslocamento para o Norte e Centro-Oeste, Lapola
explica que considerou duas possibilidades: uma em que todo o gado paulista de
fato fosse para lá num sistema de pecuária extensiva, com menos de um animal
por hectare, pressionado por mais pastagem; e outra em que esse gado seria todo
realocado em pastagens já existentes, com intensificação, não resultaria em
desmatamento indireto.
“Acho que a verdade ficou entre esses dois extremos. De lá
para cá de fato a produção de cana vem aumentando, mas o desmatamento está
caindo”, diz ele, que publicou neste ano um estudo na revista Nature Climate
Change mostrando a redução do desmatamento em todo o Brasil.
Lapola lembra que essa pressão dos biocombustíveis existe em
outros países, como na Indonésia, de modo que a relação varia de caso a caso. “Sendo
assim, na sentença que fala do meu estudo, deveriam ter usado um poderia, ou
pode. De fato pode haver problema, mas a situação atual no Brasil tem mostrado
o contrário.”
Para a delegação brasileira, esse ponto é crucial na
discussão. Os negociadores entendem que se uma menção dessas passar pode acabar
comprometendo o País em outras negociações internacionais – quando, para eles,
o Brasil não está fazendo nada de errado. Amanhã deve ter briga em
diplomatiquês. (OESP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário