Sistema elétrico brasileiro é voltado para a oferta de
grandes centrais
Ambiente e Energia
“A solução é investir em eficiência energética, porque o
custo desse investimento é muito menor comparado aos US$ 2.000 por quilowatt
instalado das hidrelétricas”, assegura o físico.
Apesar do apagão de energia da última semana, que gerou especulações
quanto à capacidade do sistema energético em suprir a demanda energética do
país, não há razões para se preocupar, diz o professor da Universidade Federal
de Rondônia.
“Como agora há muita demanda no Centro-Sul devido ao uso do
ar-condicionado, do ventilador, as termelétricas são ligadas para atender a
esse aumento de carga. O planejamento energético, nesse aspecto, é extremamente
competente, tem capacidade, tem ferramental e tem metodologia para atender a
essas altas demandas. (…) Não é apenas em virtude dessa exigência maior que
tivemos o apagão. Esse é um resultado interessante, pois se fosse por conta da
demanda maior, poderíamos ficar mais preocupados”, explica Artur de Souza
Moret, professor da Universidade Federal de Rondônia, em entrevista concedida à
IHU On-Line por telefone.
A crítica à matriz energética, esclarece, refere-se ao modelo
monotecnológico de investir em hidrelétricas, quando os recursos naturais do
país possibilitam a criação de uma matriz diversificada e composta de energias
renováveis. “As pessoas poderiam ter maior autonomia em suas casas por meio de
painéis de energia solar fotovoltaica ou, no Nordeste e em parte do Norte
do Brasil, com energia eólica — que não representaria uma autonomia doméstica,
mas sim do sistema, o que em outras palavras seria a mesma coisa. Podem
argumentar que o custo é alto, mas o governo ou os agentes econômicos podem
oferecer incentivos para que as pessoas possam comprar e instalar os
dispositivos com desoneração de impostos ou, inclusive, vender para a rede o excedente
produzido, pois o custo realmente ainda é bastante alto”, exemplifica.
Artur de Souza Moret é graduado em Física pela Universidade Federal
Fluminense – UFF, mestre em Ensino de Ciências pela Universidade de São Paulo –
USP e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual
de Campinas. Atualmente leciona na Universidade Federal de Rondônia.
IHU On-Line – Na sua avaliação, quais as razões do apagão de 05/02/2014
nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste?
Artur de Souza Moret - As minhas informações são as mesmas que todos
estão tendo pela imprensa, pois não saiu nenhum resultado mais específico,
nenhuma análise das empresas e do governo. Entretanto, o que foi comentado, e é
um dado bastante interessante, é o aspecto da resposta que o sistema deu ao
problema. Como um sistema em rede funciona? Existem várias ligações, às vezes
até mesmo ligações repetidas, para que quando a fonte de uma ponta sai em
determinado lugar, entra outra ponta — principalmente nas grandes cidades brasileiras,
onde se tem uma atividade econômica bastante intensa. Esse sistema deu
respostas rápidas, e em torno de uma hora, uma hora e meia, tudo estava
normalizado.
Hoje vivemos um momento de falta de chuva no Brasil inteiro. No entanto,
por conta do calor, temos uma quantidade de energia demandada bastante grande —
principalmente no Centro-Sul. Nesse aspecto, o sistema está intacto. Ou seja,
não é apenas em virtude dessa exigência maior que tivemos o apagão. Esse é um
resultado interessante, pois se fosse por conta da demanda maior, poderíamos
ficar mais preocupados.
Entretanto, cabe ainda uma crítica ao sistema elétrico brasileiro, que é
voltado para a oferta de grandes centrais. Atualmente a potência instalada no
Brasil é de 116 gigawatts (a capacidade de geração de energia elétrica). Porém,
a maior parte disso está baseada nas hidrelétricas e em termelétricas a gás
(Sudeste e Centro-Oeste), a petróleo e, em menor quantidade, a carvão —
especialmente no Sul do Brasil. Isso chama a atenção, pois o Brasil poderia ter
uma disponibilidade de eletricidade mais autônoma, a qual deslocaria a
necessidade de energia para outros atendimentos ou para dar folga ao sistema.
IHU On-Line – O sistema hidrelétrico brasileiro tem condições de
trabalhar em situações de sobrecarga? O sistema energético, especialmente as
hidrelétricas, trabalha com sobra de energia? O que muda durante o verão,
quando diminui a água dos reservatórios?
Artur de Souza Moret - Normalmente as usinas termelétrica e hidrelétrica
trabalham com 50% da potência instalada. Por exemplo, se a capacidade é 100%,
se disponibiliza 50% e, em horário de pico, chega a 60%. Então existe uma folga
dentro da potência instalada nos equipamentos para atender a essas situações.
Além do mais, há um planejamento para sempre detectar as possíveis correções.
Por exemplo, como agora há muita demanda no Centro-Sul devido ao uso do
ar-condicionado, do ventilador, as termelétricas são ligadas para atender a
esse aumento de carga. O planejamento energético, nesse aspecto, é extremamente
competente, tem capacidade, tem ferramental e tem metodologia para atender a
essas altas demandas.
“Se utilizássemos energia solar com uma representatividade bastante
importante no Brasil inteiro, estaríamos diminuindo o uso do petróleo, porque
parte dessa demanda de energia já estaria sendo atendida”
IHU On-Line – Quais seriam as alternativas para implementar o setor
hidrelétrico, quando este não der conta do abastecimento?
Artur de Souza Moret - As pessoas poderiam ter maior autonomia em suas
casas por meio de painéis de energia solar fotovoltaica ou, no Nordeste e em
parte do Norte do Brasil, com energia eólica — que não representaria uma
autonomia doméstica, mas sim do sistema, o que em outras palavras seria a mesma
coisa. Podem argumentar que o custo é alto, mas o governo ou os agentes
econômicos podem oferecer incentivos para que as pessoas possam comprar e
instalar os dispositivos com desoneração de impostos, ou, inclusive, vender
para a rede o excedente produzido, pois o custo realmente ainda é bastante
alto.
De fato, deveríamos fazer a intervenção para que tivéssemos essa
disponibilização pelo Brasil inteiro. Poderíamos influenciar um parque
industrial tecnológico ligado a painéis solares no Brasil — não apenas importar
poderíamos, inclusive, estar internalizando renda. Teríamos, assim, uma folga
maior do sistema elétrico ao longo dos anos.
Trabalho especificamente com energias renováveis para localidades
isoladas da Amazônia e do Brasil onde não há disponibilidade de eletricidade.
Nesses locais existem várias outras possibilidades, como biomassa, óleos
vegetais, biogás. Em São Paulo e no Nordeste, por exemplo, onde há produção de
álcool e de açúcar, o bagaço de cana poderia gerar uma quantidade de energia
bastante interessante, a qual também poderia ser levada ao sistema com alguma
folga ao consumo de petróleo.
Isto é, se utilizássemos energia solar com uma representatividade
bastante importante no Brasil inteiro, estaríamos diminuindo o uso do petróleo,
porque parte dessa demanda de energia já estaria sendo atendida.
IHU On-Line – Dentre as possibilidades de energias renováveis, o senhor
destaca a solar fotovoltaica. Quais as vantagens dessa energia em relação às
outras e como está o investimento nessa área?
Artur de Souza Moret - As outras renováveis são muito interessantes
também. Entretanto a oportunidade para a energia solar abrange o Brasil
inteiro, pois temos sol em todos os estados do país. Nos últimos dias, vemos na
televisão que todos os estados brasileiros apresentarão temperaturas acima de
35º. Se, por exemplo, a iluminação das casas fosse deslocada para a energia
solar, com formato de consumo menos intenso, o restante estaria ligado à rede e
então haveria folga dessa rede.
IHU On-Line – Estas regionalidades seriam um plano B para o setor
energético?
Artur de Souza Moret - Não é um plano B. É uma metodologia que se tem
para atender ao sistema. A metodologia de dar autonomia às pessoas. E isso
falando apenas de oferta. Se falarmos de eficiência energética, há alguns anos
o Tribunal de Contas da União detectou que 20% da energia transmitida se perde.
“No mundo inteiro as perdas de energia estão em torno de 5%, enquanto no
Brasil a perda é de 20%”
Veja, podemos fazer uma conta — que não é muito exata —, mas serve para
termos uma noção de como o impacto é grande: temos uma potência de 116
gigawatts (GW) instalados, ou seja, 20% desse valor é algo em torno de 23 GW.
Quer dizer, estamos jogando fora 23 GW de energia; é muita coisa. No mundo
inteiro as perdas estão em torno de 5%, enquanto no Brasil a perda é de 20%. Os
agentes econômicos deveriam fazer uma ação para diminuir as nossas perdas.
Por outro lado, o setor fez um planejamento para que em 2021 a potência
instalada chegue a 182 GW, ou seja, para que 66 mil megawatts (MW) sejam
incorporados ao sistema. É muita energia, a qual deveria estar sendo deslocada
do atual modelo de hidrelétricas, porque esse sistema gera grandes problemas.
Basta ver as questões em relação à construção das hidrelétricas do Rio Madeira
e de Belo Monte. Isso acontece porque o planejamento energético é voltado para
a oferta. Nós desconfiamos se esse modelo de oferta é apenas para eliminar os
investimentos de outras fontes, ou se existem outros interesses envolvidos.
Estudos têm demonstrado que os interesses das construtoras são bastante
influentes no quesito de decidir o que construir e como construir. Isso gera
perdas enormes ao planejamento energético e elétrico brasileiro.
IHU On-Line – O custo para aumentar a geração de energia elétrica para
183,1 GW será de 1,2 trilhão de reais. Como o senhor avalia esse custo
considerando a possibilidade de investir em outras fontes?
Artur de Souza Moret - O planejamento do setor elétrico é de oferta, ou
seja, sempre será baseado em aumentar a oferta com hidrelétricas e
termelétricas. Se o país investisse em alternativas diferentes, teríamos outros
resultados, porém a justificativa do setor elétrico é de que investir em
alternativas gera um aumento nos custos.
Mas veja bem, o planejamento energético também deve ser pensado em
relação à perspectiva de industrialização, ou seja, se o Brasil intensificar as
ações para instalar um parque industrial produtivo ligado a painéis solares,
poderia colocar a questão de energia renovável como referência, porque se só
investir nas térmicas e nas hidrelétricas, no futuro teremos graves problemas
relacionados a emissões de poluentes, entre outros.
Então qual seria a solução? A solução é investir em eficiência
energética, porque o custo desse investimento é muito menor comparado aos dois
mil dólares por quilowatt instalado das hidrelétricas. Outra ação relacionada à
eficiência energética é a repotenciação de usinas. Célio Bermann, professor da
USP-SP, fez os cálculos há alguns anos e demonstrou que só de repotenciação
teríamos 7.000 MW, que é maior do que as duas usinas hidrelétricas do Madeira
e, inclusive, com um custo muito menor, que seria apenas o custo da troca das
turbinas e investimento em motorização. De fato existe um panorama que
precisamos investir.
IHU On-Line – Qual é o custo da energia quando as termelétricas são
ligadas? Quanto encarece a energia nesses períodos em que é necessário
utilizá-las?
Artur de Souza Moret – No Setor Interligado Nacional, não tenho ideia.
Porém, aqui na nossa região, a geração com diesel (que é de menor tamanho, e em
localidades isoladas) varia entre R$ 200,00 e R$ 400,00 por megawatt/hora, ou
seja, para a nossa região é muito mais caro. Acredito que no Centro-Sul não
deve chegar a valores acima de R$ 200,00 (estou especulando), mas os valores
são muito altos. Por exemplo, as duas hidrelétricas do Rio Madeira vão vender
energia a menos de R$ 100,00 megawatt/hora. (ecodebate)
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