Brasil deveria iniciar racionamento de energia
desde já, defendem especialistas
A usina hidrelétrica de Itaipu
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou em 02/04/14 que os reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste
e Centro-Oeste – responsáveis pela geração de 70% da energia consumida no país
– estão com 36% da capacidade máxima. E admitiu que, se não chegarem a 43% no
final de abril, o resto do ano será complicado.
A preocupação existe, e o governo parece não conseguir esconder. Em
entrevista ao jornal americano Wall Street Journal no final de março, o ministro de Minas
e Energia, Edison Lobão, chegou a dizer que, caso as reservas das hidrelétricas
não aumentassem nos próximos meses, o governo iria pedir à população que
reduzisse o consumo de energia.
A declaração de Lobão logo foi desmentida pelo Planalto. Mas
especialistas dizem que racionamento não é apenas uma possibilidade real, como
também, se aplicada de forma gradual desde já, poderia evitar problemas mais sérios
no final do ano – a exemplo do que aconteceu em 2002, quando o governo se viu
forçado a decretar duras medidas para reduzir o consumo.
“Mesmo com o período de chuvas ao longo do mês de março, os
reservatórios dessas regiões subiram somente 1,7%, num mês em que se esperava
que o nível fosse aumentar muito mais”, diz Cláudio Sales, presidente do
Instituto Acende Brasil, especializado no sistema elétrico brasileiro.
“Dificilmente podemos esperar que a chuva seja tão forte e traga os
reservatórios para o patamar de 43%”.
Racionamento gradativo
Por essa razão, especialistas ouvidos pela DW são unânimes em afirmar
que o governo federal já deveria incentivar desde agora uma redução voluntária
de pelo menos 5% de energia. Assim, consumidores residenciais e empresas não
seriam atingidos de surpresa, no fim do ano, por um racionamento de 20% ou
mais.
“O governo deveria se comunicar melhor com a sociedade para que ela
tenha clareza e possa se mobilizar na direção da economia de energia”, diz
Sales. “Isso é uma crítica que faço ao governo: ele continua tentando dar a
entender que tem segurança absoluta com relação ao abastecimento, coisa que os
números provam o contrário.”
Em 2002, governo se viu
forçado a decretar duras medidas para reduzir consumo
Para Roberto Schäffer, professor de planejamento energético da
Coppe/UFRJ, o Brasil está entrando numa zona perigosa. Segundo ele, a situação
atual está exigindo que o governo federal acione as usinas térmicas em níveis
mais elevados do que até agora, já que os reservatórios estão mais baixos do
que historicamente estariam nesta época do ano.
“Neste momento, a chance de faltar energia no Brasil é maior do que nos
anos anteriores. Parece pouco provável que exista um racionamento ou falta de
energia antes ou durante a Copa do Mundo. O que me preocupa mais é o período
após o Mundial”, afirma Schäffer. “Eventualmente o Brasil quer passar uma
impressão internacional de que está tudo bem, mas depois do Mundial devem vir
medidas mais duras.”
Termelétrica; custo elevado
Com os reservatórios das hidrelétricas baixos e o sistema elétrico
operando no limite, o governo vem sendo forçado a usar com mais frequência as
termelétricas, que costumam ser acionadas apenas sazonalmente e são mais caras
e poluentes.
Atualmente, mais de 17.500 dos 21.670 megawatts disponíveis nas
termelétricas estão em operação. De acordo com Ildo Luís Sauer, diretor do
Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), o custo da
energia proveniente das usinas hidrelétricas e eólicas é de cerca de 100 reais
por megawatt-hora (MWh). Já nas termelétricas, o valor ultrapassa os 800 reais
por MWh.
“Isso gera um elevado custo para o país. São bilhões de reais sendo
gastos em combustíveis, como óleo diesel e gás natural importado, num momento
de estresse no mercado mundial”, diz Sauer. “Além disso, há o problema das
emissões ambientais elevadas por causa da queima desses combustíveis. O alto
custo esvazia recursos do Tesouro Nacional que deveriam ser destinados a outras
prioridades”.
Como os custos extras estão ficando maiores, é provável que o Tesouro
Nacional fique com a parcela mais elevada do uso da energia termelétrica e,
assim, o repasse para o consumidor final seja menor. É possível, porém, que a
parcela do uso das térmicas em 2013 – ao custo de cerca 9,5 bilhões de reais –
e de 2014 – que deverá ultrapassar o valor do ano anterior – seja repassada aos
usuários a partir de 2015.
“Se não chover o suficiente até agosto, toma-se a medida drástica de
realizar o racionamento ou então tenta-se empurrar para depois das eleições
presidenciais [em outubro]”, afirma Sauer. “O grande fiasco já foi
concretizado, que é o mau planejamento e a má gestão do sistema.” (ecodebate)
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