terça-feira, 22 de abril de 2014

Racionalizar para não faltar

País passa por uma crise energética, com reservatórios em níveis abaixo do esperado. Campanha para a população economizar energia reduziria o estresse em cima do setor elétrico.
A racionalização do consumo de energia muitas vezes é confundida com racionamento de energia. Herança do problema de abastecimento que o país passou em 2001, quando os consumidores tiveram que reduzir de forma compulsória 20% do seu consumo. Mas racionalizar o consumo de energia nada mais é do que usar a energia de forma racional, ou seja, de maneira eficiente. É claro que em épocas de crise, como a atual, em que os níveis dos reservatórios estão abaixo do esperado, o tema vem à tona. No entanto, a racionalização do consumo deve ser praticada sempre, a qualquer tempo, e não apenas quando há risco de faltar energia.
Hoje o país tem uma situação mais favorável para enfrentar períodos secos do que tinha em 2001, com mais térmicas gerando energia para o sistema e uma matriz diversificada. Mesmo assim, agentes do setor elétrico estão preocupados e avaliam que uma campanha pedindo para a população economizar energia seria uma medida acertada, pois reduziria o estresse em cima do setor elétrico. O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nivalde de Castro, diz que hoje existe claramente a necessidade de reduzir o consumo, por conta da hidrologia crítica pela qual o país está passando. Segundo ele, quanto mais o governo demorar para tomar uma decisão dessas, pior será no futuro.
"Olhando do ponto de vista energético, os reservatórios não estão crescendo e as projeções do Operador Nacional do Sistema Elétrico não se cumprem. O que ele previu em janeiro não se realizou, em fevereiro e março também não. E agora a gente entra em um período em que o histórico é chover menos", comentou Castro. Já na primeira semana de abril, o ONS reduziu a previsão de energia armazenada em maio para 35,6% nos reservatórios. A previsão inicial era de 41%.
O professor acrescenta que todas as análises mais técnicas indicam que seria importante reduzir o consumo para se chegar a novembro com os reservatórios funcionando. O ONS, de acordo com o coordenador do Gesel, fez algumas projeções que mostram que se o consumo for reduzido em 5%, é possível chegar a novembro com os reservatórios em níveis razoáveis e não nos 15% que está sendo estimado. "Nesse nível praticamente o reservatório não funciona, porque tem problema de pressão de água, de sujeira nos reservatórios. Então, tudo indica que uma economia de energia seria necessária", apontou. Mas ele lembra que se por um lado a redução do consumo traz benefícios ao sistema, por outro traz um custo e uma queda de receita para as distribuidoras - que já enfrentam problemas de exposição involuntária e pagamento elevado de despacho termelétrico -, além da exposição dos geradores hídricos, o que precisa ser considerado.
Economia de energia já é necessária
Fábio Cuberos, gerente de Regulação da Safira Energia, avalia que agora, mais do que nunca, é a hora de incentivar a população a economizar energia. "Temos uma Copa do Mundo se aproximando e acho que o governo deveria vir a público falar de racionalização de energia. Mas ao mesmo tempo em que eu acho isso importante, acho também difícil de ocorrer, porque a racionalização do consumo é confundida com racionamento e essa é uma palavra proibida no governo", disse. Castro, do Gesel, afirma que hoje não seria necessária uma medida tão drástica como a que aconteceu em 2001, quando teve que ser realizado um corte geral de 20%. "Poderia ser algo mais seletivo, num primeiro estágio, voluntário. Quem conseguisse reduzir o consumo teria um desconto, um crédito para o futuro", defendeu.
Os grandes e médios consumidores também estão preocupados com o cenário energético atual e alguns já estão tomando medidas para reduzir seu consumo e os custos com energia em cerca de 10%. Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, conta que algumas indústrias estão trocando a iluminação e outras até desligando máquinas para conseguir melhorar sua produtividade. "Agora a situação ficou pior porque existe claramente uma falta de transparência, uma falta de clareza com relação ao problema que estamos enfrentando. Quando o governo em 30 dias sai de um risco baixíssimo de racionamento para um sinal amarelo, fica muito difícil para o setor privado traçar planos alternativos de produção", declarou o executivo.
Preço da energia deverá subir 30% em 2015
Além da crise energética, esses consumidores se preocupam com o valor da energia, que segundo cálculos da Anace, deverá subir cerca de 30% no ano que vem. Para a associação, o ano de 2015 já foi contaminado por 2014. "O consumidor que hoje tem um contrato de três a cinco anos, que é o perfil dos associados da Anace, estava contratado com uma energia que tinha um preço em torno de R$ 110/MWh. Hoje, na melhor hipótese, o que se está enxergando para 2015 são preços de R$ 170/MWh. Possivelmente em 2016 a gente vai ter alguma melhora", apontou Faria.
O presidente da Anace afirmou que já passou da hora do governo sinalizar, principalmente para o consumidor cativo, que é preciso economizar energia. Segundo ele, esse consumidor se beneficiou com a renovação das concessões, que baixou a tarifa de energia em 20% em média e, portanto, estimulou o consumo, dando uma sinalização errada, de que o país tinha uma abundância de recursos. A redução da tarifa ainda afetou os projetos de conservação de energia. Alexandre Moana, diretor técnico da Associação Brasileira das Empresas de Conservação de Energia, comenta que quando o governo reduziu o preço da energia de forma artificial, ou seja, através de um decreto, o retorno dos projetos de eficiência energética foram comprometidos.
Retorno dos projetos de eficiência ficou comprometido
"Quem fez um investimento baseado numa tarifa de energia e calculou um retorno em três anos, por exemplo, viu seu planejamento ir por água abaixo com a redução da tarifa. Além disso, houve um desincentivo para projetos que ainda seriam aprovados", apontou, ressaltando que não é contra a uma queda no preço da energia, mas sim a forma como foi feita a redução. Nos últimos seis anos, segundo um levantamento da Abesco, o Brasil poderia ter economizado cerca de 250 TWh através da eficiência energética. O volume representa 10% sobre o total do consumo registrado pela Empresa de Pesquisa Energética entre 2008 e 2013. Em valor financeiro, essa economia seria de mais de R$ 60 bilhões considerando o custo da energia no período sem os impostos.
A Associação Brasileira das Concessionárias de Energia Elétrica defende que o consumo racional deve existir sempre e não apenas em épocas de crise. Alexei Vivan, presidente da ABCE, acredita que existe a necessidade de se trabalhar com a população de forma a evitar desperdícios. "Há a possibilidade do consumo ser reduzido com base em campanhas que deveriam estar sendo feitas pelo governo federal. As associadas da ABCE entendem que é um momento de cautela que pede, portanto, por parte do governo algum tipo de sinalização, não em relação a um racionamento, mas uma sinalização no sentido de economia de energia, de preservação do sistema elétrico", comentou Vivan. O executivo analisa que se o país conseguisse reduzir o consumo de energia em torno de 10% haveria um alívio muito grande para setor. Mas, nos últimos meses, o consumo de energia só cresceu. De acordo com a EPE, em fevereiro o consumo subiu 8,6%, se comparado com o mesmo mês de 2013, alcançando 41.403 GWh. Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se pronunciou até o fechamento desta reportagem.
Medidas simples podem ser tomadas a fim de economizar energia. Fábio Cuberos, da Safira Energia, aponta o chuveiro elétrico e o ar condicionado como os dois grandes vilões do consumo de energia elétrica em uma residência. Para ele, diminuir o tempo do banho em três ou quatro minutos, principalmente no horário de pico, já traria um alívio para o sistema. No médio e longo prazo, ele diz que a saída é desburocratizar a instalação de equipamentos solares ou eólicos em residências ou comércios. "Ao invés de fazer isenção para a linha branca, porque não dar isenção de impostos para quem for instalar painéis solares ou colocar uma geração eólica em casa. Isso é uma iniciativa sustentável e que ajuda na racionalização do uso da energia", defendeu.
Chuveiro elétrico e ar condicionado são grandes vilões
Para Alexandre Moana, da Abesco, a saída é inserir inteligência nos processos. Ele conta que hoje existem microprocessadores a preços acessíveis que estudam o consumo de uma residência, comércio ou indústria, e avaliam qual é a melhor forma de utilização da energia por aquela entidade. Em uma residência, ele explica que o microprocessador é capaz de medir a temperatura que a água chega ao chuveiro e a partir daí verificar qual a potência necessária para que a água fique numa temperatura ideal. "Não será mais preciso modular a temperatura do banho abrindo mais ou menos o chuveiro. O dispositivo já faria essa modulação reduzindo muito o consumo de energia", comenta.
Mas, existem maneiras ainda mais simples da população economizar energia. Comprar lâmpadas e eletrodomésticos que possuam Selo Procel; desligar a televisão, o rádio e o video-game quando não estiver usando e não deixá-los no modo stand by; e juntar uma grande quantidade de roupas para lavar e passar são algumas dicas que podem reduzir a conta de luz e economizar energia. Apesar de pouco conhecido pela população como um todo, no país já existe desde 1995, o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica - Procel -, criado pelo governo federal e executado pela Eletrobras.
Consumo racional deve existir sempre
Segundo a Eletrobras, em 2012 foram desenvolvidos projetos que contribuíram para uma economia de 9 milhões de MWh em áreas como iluminação pública, gestão energética municipal, saneamento, indústria, entre outras. O programa conta ainda com o Selo Procel, que indica ao consumidor, no ato da compra, equipamentos que apresentam os melhores níveis de eficiência energética dentro de cada categoria. "Ainda temos poucas ações de eficiência energética no país. A mais louvável é o Procel, mas a política de eficiência energética não cobre tudo, seria uma deficiência por parte da eficiência energética", completou Castro, do Gesel. (anacebrasil)

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