País passa por uma crise energética, com
reservatórios em níveis abaixo do esperado. Campanha para a população
economizar energia reduziria o estresse em cima do setor elétrico.
A racionalização do consumo de energia muitas
vezes é confundida com racionamento de energia. Herança do problema de
abastecimento que o país passou em 2001, quando os consumidores tiveram que
reduzir de forma compulsória 20% do seu consumo. Mas racionalizar o consumo de
energia nada mais é do que usar a energia de forma racional, ou seja, de
maneira eficiente. É claro que em épocas de crise, como a atual, em que os
níveis dos reservatórios estão abaixo do esperado, o tema vem à tona. No
entanto, a racionalização do consumo deve ser praticada sempre, a qualquer
tempo, e não apenas quando há risco de faltar energia.
Hoje o país tem uma situação mais favorável
para enfrentar períodos secos do que tinha em 2001, com mais térmicas gerando
energia para o sistema e uma matriz diversificada. Mesmo assim, agentes do
setor elétrico estão preocupados e avaliam que uma campanha pedindo para a
população economizar energia seria uma medida acertada, pois reduziria o
estresse em cima do setor elétrico. O coordenador do Grupo de Estudos do Setor
Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nivalde de Castro, diz que
hoje existe claramente a necessidade de reduzir o consumo, por conta da
hidrologia crítica pela qual o país está passando. Segundo ele, quanto mais o
governo demorar para tomar uma decisão dessas, pior será no futuro.
"Olhando do ponto de vista energético, os
reservatórios não estão crescendo e as projeções do Operador Nacional do
Sistema Elétrico não se cumprem. O que ele previu em janeiro não se realizou,
em fevereiro e março também não. E agora a gente entra em um período em que o
histórico é chover menos", comentou Castro. Já na primeira semana de
abril, o ONS reduziu a previsão de energia armazenada em maio para 35,6% nos
reservatórios. A previsão inicial era de 41%.
O professor acrescenta que todas as análises
mais técnicas indicam que seria importante reduzir o consumo para se chegar a
novembro com os reservatórios funcionando. O ONS, de acordo com o coordenador
do Gesel, fez algumas projeções que mostram que se o consumo for reduzido em
5%, é possível chegar a novembro com os reservatórios em níveis razoáveis e não
nos 15% que está sendo estimado. "Nesse nível praticamente o reservatório
não funciona, porque tem problema de pressão de água, de sujeira nos
reservatórios. Então, tudo indica que uma economia de energia seria
necessária", apontou. Mas ele lembra que se por um lado a redução do
consumo traz benefícios ao sistema, por outro traz um custo e uma queda de
receita para as distribuidoras - que já enfrentam problemas de exposição involuntária
e pagamento elevado de despacho termelétrico -, além da exposição dos geradores
hídricos, o que precisa ser considerado.
Economia de energia já é necessária
Fábio Cuberos, gerente de Regulação da Safira
Energia, avalia que agora, mais do que nunca, é a hora de incentivar a
população a economizar energia. "Temos uma Copa do Mundo se aproximando e
acho que o governo deveria vir a público falar de racionalização de energia.
Mas ao mesmo tempo em que eu acho isso importante, acho também difícil de ocorrer,
porque a racionalização do consumo é confundida com racionamento e essa é uma
palavra proibida no governo", disse. Castro, do Gesel, afirma que hoje não
seria necessária uma medida tão drástica como a que aconteceu em 2001, quando
teve que ser realizado um corte geral de 20%. "Poderia ser algo mais
seletivo, num primeiro estágio, voluntário. Quem conseguisse reduzir o consumo
teria um desconto, um crédito para o futuro", defendeu.
Os grandes e médios consumidores também estão
preocupados com o cenário energético atual e alguns já estão tomando medidas
para reduzir seu consumo e os custos com energia em cerca de 10%. Carlos Faria,
presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, conta que
algumas indústrias estão trocando a iluminação e outras até desligando máquinas
para conseguir melhorar sua produtividade. "Agora a situação ficou pior
porque existe claramente uma falta de transparência, uma falta de clareza com
relação ao problema que estamos enfrentando. Quando o governo em 30 dias sai de
um risco baixíssimo de racionamento para um sinal amarelo, fica muito difícil
para o setor privado traçar planos alternativos de produção", declarou o
executivo.
Preço da energia deverá subir 30% em 2015
Além da crise energética, esses consumidores
se preocupam com o valor da energia, que segundo cálculos da Anace, deverá
subir cerca de 30% no ano que vem. Para a associação, o ano de 2015 já foi
contaminado por 2014. "O consumidor que hoje tem um contrato de três a
cinco anos, que é o perfil dos associados da Anace, estava contratado com uma
energia que tinha um preço em torno de R$ 110/MWh. Hoje, na melhor hipótese, o
que se está enxergando para 2015 são preços de R$ 170/MWh. Possivelmente em
2016 a gente vai ter alguma melhora", apontou Faria.
O presidente da Anace afirmou que já passou da
hora do governo sinalizar, principalmente para o consumidor cativo, que é
preciso economizar energia. Segundo ele, esse consumidor se beneficiou com a
renovação das concessões, que baixou a tarifa de energia em 20% em média e,
portanto, estimulou o consumo, dando uma sinalização errada, de que o país
tinha uma abundância de recursos. A redução da tarifa ainda afetou os projetos
de conservação de energia. Alexandre Moana, diretor técnico da Associação
Brasileira das Empresas de Conservação de Energia, comenta que quando o governo
reduziu o preço da energia de forma artificial, ou seja, através de um decreto,
o retorno dos projetos de eficiência energética foram comprometidos.
Retorno dos projetos de eficiência ficou comprometido
"Quem fez um investimento baseado numa
tarifa de energia e calculou um retorno em três anos, por exemplo, viu seu
planejamento ir por água abaixo com a redução da tarifa. Além disso, houve um
desincentivo para projetos que ainda seriam aprovados", apontou,
ressaltando que não é contra a uma queda no preço da energia, mas sim a forma
como foi feita a redução. Nos últimos seis anos, segundo um levantamento da
Abesco, o Brasil poderia ter economizado cerca de 250 TWh através da eficiência
energética. O volume representa 10% sobre o total do consumo registrado pela
Empresa de Pesquisa Energética entre 2008 e 2013. Em valor financeiro, essa
economia seria de mais de R$ 60 bilhões considerando o custo da energia no
período sem os impostos.
A Associação Brasileira das Concessionárias de
Energia Elétrica defende que o consumo racional deve existir sempre e não
apenas em épocas de crise. Alexei Vivan, presidente da ABCE, acredita que
existe a necessidade de se trabalhar com a população de forma a evitar desperdícios.
"Há a possibilidade do consumo ser reduzido com base em campanhas que
deveriam estar sendo feitas pelo governo federal. As associadas da ABCE
entendem que é um momento de cautela que pede, portanto, por parte do governo
algum tipo de sinalização, não em relação a um racionamento, mas uma
sinalização no sentido de economia de energia, de preservação do sistema
elétrico", comentou Vivan. O executivo analisa que se o país conseguisse
reduzir o consumo de energia em torno de 10% haveria um alívio muito grande
para setor. Mas, nos últimos meses, o consumo de energia só cresceu. De acordo
com a EPE, em fevereiro o consumo subiu 8,6%, se comparado com o mesmo mês de
2013, alcançando 41.403 GWh. Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se
pronunciou até o fechamento desta reportagem.
Medidas simples podem ser tomadas a fim de
economizar energia. Fábio Cuberos, da Safira Energia, aponta o chuveiro
elétrico e o ar condicionado como os dois grandes vilões do consumo de energia
elétrica em uma residência. Para ele, diminuir o tempo do banho em três ou
quatro minutos, principalmente no horário de pico, já traria um alívio para o
sistema. No médio e longo prazo, ele diz que a saída é desburocratizar a
instalação de equipamentos solares ou eólicos em residências ou comércios.
"Ao invés de fazer isenção para a linha branca, porque não dar isenção de
impostos para quem for instalar painéis solares ou colocar uma geração eólica
em casa. Isso é uma iniciativa sustentável e que ajuda na racionalização do uso
da energia", defendeu.
Chuveiro elétrico e ar condicionado são
grandes vilões
Para Alexandre Moana, da Abesco, a saída é
inserir inteligência nos processos. Ele conta que hoje existem
microprocessadores a preços acessíveis que estudam o consumo de uma residência,
comércio ou indústria, e avaliam qual é a melhor forma de utilização da energia
por aquela entidade. Em uma residência, ele explica que o microprocessador é
capaz de medir a temperatura que a água chega ao chuveiro e a partir daí
verificar qual a potência necessária para que a água fique numa temperatura
ideal. "Não será mais preciso modular a temperatura do banho abrindo mais
ou menos o chuveiro. O dispositivo já faria essa modulação reduzindo muito o
consumo de energia", comenta.
Mas, existem maneiras ainda mais simples da
população economizar energia. Comprar lâmpadas e eletrodomésticos que possuam
Selo Procel; desligar a televisão, o rádio e o video-game quando não estiver
usando e não deixá-los no modo stand by; e juntar uma grande quantidade de roupas
para lavar e passar são algumas dicas que podem reduzir a conta de luz e
economizar energia. Apesar de pouco conhecido pela população como um todo, no
país já existe desde 1995, o Programa Nacional de Conservação de Energia
Elétrica - Procel -, criado pelo governo federal e executado pela Eletrobras.
Consumo racional deve existir sempre
Segundo a Eletrobras, em 2012 foram
desenvolvidos projetos que contribuíram para uma economia de 9 milhões de MWh
em áreas como iluminação pública, gestão energética municipal, saneamento,
indústria, entre outras. O programa conta ainda com o Selo Procel, que indica
ao consumidor, no ato da compra, equipamentos que apresentam os melhores níveis
de eficiência energética dentro de cada categoria. "Ainda temos poucas ações
de eficiência energética no país. A mais louvável é o Procel, mas a política de
eficiência energética não cobre tudo, seria uma deficiência por parte da
eficiência energética", completou Castro, do Gesel. (anacebrasil)
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