“Terra!
És o mais bonito dos planetas
Tão te maltratando por dinheiro
Tu que és a nave nossa irmã”
(O Sal da Terra, Beto Guedes)
O ser humano tem usado e abusado da exploração do petróleo
para benefício próprio e para malefício da natureza e prejuízo das outras
espécies vivas do Planeta. No caso brasileiro, a Petrobras é a empresa que
explora e queima o petróleo em nome da grandeza do Brasil. Em vez de investir
em energias renováveis o governo brasileiro e a Petrobras apresentaram o
pré-sal como a salvação nacional e o “passaporte para o futuro”. Mas, na
realidade, quem está queimando e se consumindo neste processo é a própria Petrobras
e o Brasil que tem aumentado seus déficits externos e as emissões de gases de
efeito estufa. Mesmo sem entrar nas questões de gestão empresarial, o objetivo
deste artigo é mostrar que, ao invés da salvação, o pré-sal pode ser o “sal da
terra” brasilis ou a “pá de cal” no modelo energético brasileiro.
Em entrevista ao IHU (21/10/2013), o economista Carlos
Lessa, ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do BNDES, disse que “o pré-sal
brasileiro é ouro em pó” e que somente no campo de Libra “teremos algo em torno
de quatro trilhões de reais em vinte anos de produção”. Será? E os custos desta
produção?
Esta visão otimista, que considera o petróleo uma salvação
nacional – visão que remonta à época da campanha “O Petróleo é nosso” –
desconsidera que o petróleo é uma fonte de energia altamente poluidora e que o
petróleo do pré-sal, devido aos custos de exploração, pode ser um fenômeno
muito mais parecido com a pirita (“ouro de tolo”) do que “ouro em pó”. A pirita
é um mineral que parece ouro, mas, ao contrário do nobre metal, não é um
elemento químico e sim um sulfeto de ferro, isto é, uma combinação de ferro e
enxofre. Mas por parecer com ouro era utilizado para enganar os tolos.
Existe uma visão cornucopiana bastante difundida de que a
natureza é capaz de nos fornecer todos os meios para o desenvolvimento humano.
Porém, se por um lado a natureza é rica ela também é frágil e incapaz de
corrigir os erros das escolhas humanas. Os nacionalistas que alardeiam as
vantagens milagrosas do petróleo podem estar dando um tiro no pé, pois estão
ajudando o Brasil a embarcar numa canoa furada, sustentada em um modelo de
crescimento dependente dos combustíveis fósseis, que vai se tornar inviável
após o Pico do Petróleo e ao acirramento das mudanças climáticas.
O Governo Federal tem alardeado, desde 2008, os virtuais
benefícios do pré-sal. O Brasil deixaria de ser importador de energia e
passaria a ser exportador de petróleo e derivados. Já pensando nos lucros do
pré-sal, a gasolina foi subsidiada e o etanol foi desestimulado. Os políticos
brasileiros se mobilizaram para repartir os royalties do pré-sal antes mesmo de
haver produção e lucro com a operação. Os setores de saúde e educação foram
beneficiados com leis que repartem os lucros que não existem até o momento e
que podem a vir a não existir, pelo menos na proporção propagandeada.
A questão é que as jazidas de petróleo da camada pré-sal do
litoral brasileiro estão distantes da costa, em profundidades que variam de
1.000 a 2.000 metros de lâmina d’água e entre 4.000 e 6.000 metros de
profundidade no subsolo. O óleo pode estar a até 8.000 metros da superfície do
mar, incluindo uma camada que varia de 200m a 2 km de sal. O custo de
exploração é altíssimo. Os riscos financeiro e ambiental também. O fato é que o
petróleo barato já foi extraído e queimado e os novos campos requerem muitos
recursos e a Energia Retornada sobre a Energia Investida (EROEI) muitas vezes
não compensa a exploração.
O Brasil tem produzido (na média de 2009 a 2013) dois
milhões de barris de petróleo por dia. Precisa produzir pelo menos 4 milhões de
barris-dia para equilibrar a oferta com a demanda e evitar o estouro das contas
externas. Toda a esperança está depositada nos recursos do pré-sal. Mas ter uma
jazida confirmada não significa que há reservas viáveis, pois nem todo o
petróleo de um campo pode ser extraído. Reserva de petróleo é o volume que se
pode extrair, comercialmente, de uma jazida que seja viável economicamente. A
falência da empresa OGX, de Eike Batista, dentre outros fatores, é uma
demonstração das dificuldades da exploração do pré-sal.
O problema não é só do Brasil. A Venezuela, por exemplo, com
todas as suas reservas de petróleo e uma produção maior do que a Brasileira
(para uma economia menor), vive uma grande crise social. Também as grandes
companhias petroleiras estão tendo dificuldades de manter a lucratividade
diante dos altos custos de extração, segundo Patterson (28/02/2014): “In a way, the world’s major oil companies
all suffer from some version of the same problem: They’re spending more money
to produce less oil. The world’s cheap, easy-to-find reserves are
basically gone; the low-hanging fruit was picked decades ago. Not only is the
new stuff harder to find, but the older stuff is running out faster and faster”. A empresa petrolífera
anglo-holandesa Shell já alertou aos seus acionistas para estarem preparados
para possíveis atrasos em projetos e perda de lucratividade.
Segundo a Bloomberg, Kashagan, localizado no Mar Cáspio, um
dos projetos de produção de petróleo mais ambiciosos do mundo e o maior novo
campo desenvolvido em décadas, não está funcionando, embora tenha gasto US$ 50
bilhões em investimentos por parte das maiores empresas de petróleo do mundo e
do governo do Cazaquistão. No Brasil, a agência Reuters divulgou em 03 de abril
de 2014, um acidente com um tubo de aço de 2,3 quilômetros no campo de
Roncador, no Oceano Atlântico, pode dificultar a capacidade da Petrobras de
aumentar a produção de petróleo neste ano.
Além das dificuldades físicas da exploração do petróleo, há
também as dificuldades financeiras das empresas de petróleo. A Petrobras se
endividou (boa parte em moeda estrangeira) para bancar seu plano de
investimento de mais de US$ 200 bilhões (além de algumas compras
injustificáveis e investimentos caríssimos). Se houver uma desvalorização do
real ainda maior e um aumento das taxas de juros os impactos serão grandes no
custo da extração do petróleo. Desta forma, se a produção não chegar nos níveis
programados pelo Plano Estratégico da Petrobras (pelo menos 4 milhões de barris
dia até 2020), a empresa e o Brasil vão enfrentar grandes dificuldades. Por
outro lado, se tudo der certo como imagina a Petrobras, o meio ambiente é que
vai pagar um preço elevado, pois além dos diversos tipos de poluição, o Brasil
vai aumentar suas taxas de emissão de gases de efeito estufa. Nenhum país pode
apostar seu futuro na base limitada e não renovável dos combustíveis fósseis.
O quadro pode ficar ainda mais complicado diante de uma
possível crise econômica mundial que viria depois do Pico do Petróleo e do
“Pico de Endividamento” que pode ocorrer proximamente. Ou seja, em vez de se
preparar para as dificuldades que devem se agravar nos próximos anos (alguns
analistas falam em colapso), o Brasil está aumentando o seu grau de
vulnerabilidade e pode cair num beco sem saída que terá grande impacto social,
com consequências nefastas para a população brasileira e os ecossistemas. O
problema do petróleo vai muito além da Petrobras e para ser solucionado será
preciso repensar todo o modelo de desenvolvimento do país. Toda a matriz
energética brasileira precisa ser repensada, inclusive as hidrelétricas com
seus imensos reservatórios que provocam a descontinuidade do fluxo dos rios e
diversos danos ambientais.
Mas vamos torcer para que os políticos discutam estas
questões nas eleições de 2014 e que apresentem um plano para transformar em
realidade as promessas do “Brasil do Futuro” e para superar os diversos
problemas existentes, garantindo qualidade de vida para o meio ambiente e para
as pessoas das atuais e das vindouras gerações. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário