sábado, 12 de abril de 2014

Petróleo do pré-sal: ‘ouro em pó’ ou ‘ouro de tolo’?

Terra!
És o mais bonito dos planetas
Tão te maltratando por dinheiro
Tu que és a nave nossa irmã”
(O Sal da Terra, Beto Guedes)
O ser humano tem usado e abusado da exploração do petróleo para benefício próprio e para malefício da natureza e prejuízo das outras espécies vivas do Planeta. No caso brasileiro, a Petrobras é a empresa que explora e queima o petróleo em nome da grandeza do Brasil. Em vez de investir em energias renováveis o governo brasileiro e a Petrobras apresentaram o pré-sal como a salvação nacional e o “passaporte para o futuro”. Mas, na realidade, quem está queimando e se consumindo neste processo é a própria Petrobras e o Brasil que tem aumentado seus déficits externos e as emissões de gases de efeito estufa. Mesmo sem entrar nas questões de gestão empresarial, o objetivo deste artigo é mostrar que, ao invés da salvação, o pré-sal pode ser o “sal da terra” brasilis ou a “pá de cal” no modelo energético brasileiro.
Em entrevista ao IHU (21/10/2013), o economista Carlos Lessa, ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do BNDES, disse que “o pré-sal brasileiro é ouro em pó” e que somente no campo de Libra “teremos algo em torno de quatro trilhões de reais em vinte anos de produção”. Será? E os custos desta produção?
Esta visão otimista, que considera o petróleo uma salvação nacional – visão que remonta à época da campanha “O Petróleo é nosso” – desconsidera que o petróleo é uma fonte de energia altamente poluidora e que o petróleo do pré-sal, devido aos custos de exploração, pode ser um fenômeno muito mais parecido com a pirita (“ouro de tolo”) do que “ouro em pó”. A pirita é um mineral que parece ouro, mas, ao contrário do nobre metal, não é um elemento químico e sim um sulfeto de ferro, isto é, uma combinação de ferro e enxofre. Mas por parecer com ouro era utilizado para enganar os tolos.
Existe uma visão cornucopiana bastante difundida de que a natureza é capaz de nos fornecer todos os meios para o desenvolvimento humano. Porém, se por um lado a natureza é rica ela também é frágil e incapaz de corrigir os erros das escolhas humanas. Os nacionalistas que alardeiam as vantagens milagrosas do petróleo podem estar dando um tiro no pé, pois estão ajudando o Brasil a embarcar numa canoa furada, sustentada em um modelo de crescimento dependente dos combustíveis fósseis, que vai se tornar inviável após o Pico do Petróleo e ao acirramento das mudanças climáticas.
O Governo Federal tem alardeado, desde 2008, os virtuais benefícios do pré-sal. O Brasil deixaria de ser importador de energia e passaria a ser exportador de petróleo e derivados. Já pensando nos lucros do pré-sal, a gasolina foi subsidiada e o etanol foi desestimulado. Os políticos brasileiros se mobilizaram para repartir os royalties do pré-sal antes mesmo de haver produção e lucro com a operação. Os setores de saúde e educação foram beneficiados com leis que repartem os lucros que não existem até o momento e que podem a vir a não existir, pelo menos na proporção propagandeada.
A questão é que as jazidas de petróleo da camada pré-sal do litoral brasileiro estão distantes da costa, em profundidades que variam de 1.000 a 2.000 metros de lâmina d’água e entre 4.000 e 6.000 metros de profundidade no subsolo. O óleo pode estar a até 8.000 metros da superfície do mar, incluindo uma camada que varia de 200m a 2 km de sal. O custo de exploração é altíssimo. Os riscos financeiro e ambiental também. O fato é que o petróleo barato já foi extraído e queimado e os novos campos requerem muitos recursos e a Energia Retornada sobre a Energia Investida (EROEI) muitas vezes não compensa a exploração.
O Brasil tem produzido (na média de 2009 a 2013) dois milhões de barris de petróleo por dia. Precisa produzir pelo menos 4 milhões de barris-dia para equilibrar a oferta com a demanda e evitar o estouro das contas externas. Toda a esperança está depositada nos recursos do pré-sal. Mas ter uma jazida confirmada não significa que há reservas viáveis, pois nem todo o petróleo de um campo pode ser extraído. Reserva de petróleo é o volume que se pode extrair, comercialmente, de uma jazida que seja viável economicamente. A falência da empresa OGX, de Eike Batista, dentre outros fatores, é uma demonstração das dificuldades da exploração do pré-sal.
O problema não é só do Brasil. A Venezuela, por exemplo, com todas as suas reservas de petróleo e uma produção maior do que a Brasileira (para uma economia menor), vive uma grande crise social. Também as grandes companhias petroleiras estão tendo dificuldades de manter a lucratividade diante dos altos custos de extração, segundo Patterson (28/02/2014): “In a way, the world’s major oil companies all suffer from some version of the same problem: They’re spending more money to produce less oil. The world’s cheap, easy-to-find reserves are basically gone; the low-hanging fruit was picked decades ago. Not only is the new stuff harder to find, but the older stuff is running out faster and faster”. A empresa petrolífera anglo-holandesa Shell já alertou aos seus acionistas para estarem preparados para possíveis atrasos em projetos e perda de lucratividade.
Segundo a Bloomberg, Kashagan, localizado no Mar Cáspio, um dos projetos de produção de petróleo mais ambiciosos do mundo e o maior novo campo desenvolvido em décadas, não está funcionando, embora tenha gasto US$ 50 bilhões em investimentos por parte das maiores empresas de petróleo do mundo e do governo do Cazaquistão. No Brasil, a agência Reuters divulgou em 03 de abril de 2014, um acidente com um tubo de aço de 2,3 quilômetros no campo de Roncador, no Oceano Atlântico, pode dificultar a capacidade da Petrobras de aumentar a produção de petróleo neste ano.
Além das dificuldades físicas da exploração do petróleo, há também as dificuldades financeiras das empresas de petróleo. A Petrobras se endividou (boa parte em moeda estrangeira) para bancar seu plano de investimento de mais de US$ 200 bilhões (além de algumas compras injustificáveis e investimentos caríssimos). Se houver uma desvalorização do real ainda maior e um aumento das taxas de juros os impactos serão grandes no custo da extração do petróleo. Desta forma, se a produção não chegar nos níveis programados pelo Plano Estratégico da Petrobras (pelo menos 4 milhões de barris dia até 2020), a empresa e o Brasil vão enfrentar grandes dificuldades. Por outro lado, se tudo der certo como imagina a Petrobras, o meio ambiente é que vai pagar um preço elevado, pois além dos diversos tipos de poluição, o Brasil vai aumentar suas taxas de emissão de gases de efeito estufa. Nenhum país pode apostar seu futuro na base limitada e não renovável dos combustíveis fósseis.
O quadro pode ficar ainda mais complicado diante de uma possível crise econômica mundial que viria depois do Pico do Petróleo e do “Pico de Endividamento” que pode ocorrer proximamente. Ou seja, em vez de se preparar para as dificuldades que devem se agravar nos próximos anos (alguns analistas falam em colapso), o Brasil está aumentando o seu grau de vulnerabilidade e pode cair num beco sem saída que terá grande impacto social, com consequências nefastas para a população brasileira e os ecossistemas. O problema do petróleo vai muito além da Petrobras e para ser solucionado será preciso repensar todo o modelo de desenvolvimento do país. Toda a matriz energética brasileira precisa ser repensada, inclusive as hidrelétricas com seus imensos reservatórios que provocam a descontinuidade do fluxo dos rios e diversos danos ambientais.
Mas vamos torcer para que os políticos discutam estas questões nas eleições de 2014 e que apresentem um plano para transformar em realidade as promessas do “Brasil do Futuro” e para superar os diversos problemas existentes, garantindo qualidade de vida para o meio ambiente e para as pessoas das atuais e das vindouras gerações. (ecodebate)

Nenhum comentário: