Sobre a forma de redução do consumo de energia elétrica
A estiagem e o forte calor deixaram o solo da
região muito seco.
O primeiro trimestre do ano, auge do período
úmido, foi, neste ano, muito seco nas regiões Sudeste e Nordeste, onde estão
situados os maiores reservatórios do Brasil. As afluências ficaram em torno da
metade do habitual (respectivamente 52% e 43% da média de longo termo,
calculada com base nas vazões desde 1931). O período hidrológico desfavorável,
que começou na verdade em setembro de 2012, levou os reservatórios a níveis
muito baixos.
Não se deve contar com afluências abundantes
no período seco que se inicia em maio e vai até novembro de 2014. A estiagem e
o forte calor deixaram o solo das regiões afetadas muito seco e provocaram a
redução precoce na vazão das nascentes. As chuvas que caírem daqui para frente
nas regiões com maior déficit hídrico serão em boa medida absorvidas pelo solo.
Assim, ainda que as chuvas fiquem dentro da média histórica as afluências devem
ficar significativamente abaixo da média.
Com reservatórios em níveis baixos e
perspectivas de afluências modestas, o governo deve, necessariamente, adotar
rapidamente medidas para reduzir o consumo. Além dos aspectos técnicos e
operacionais da necessária política de redução do consumo, é imprescindível
levar em conta também os impactos financeiros sobre o setor. Vejamos dois
exemplos.
O primeiro refere-se às distribuidoras, que
perdem receita com a redução do consumo. As tarifas para o consumidor destas
empresas são calculadas pela Aneel com base no mercado projetado, ficando com
elas o risco do consumo estimado não se materializar por qualquer razão. Como
entre as distribuidoras há empresas com elevado grau de endividamento e margens
apertadas, deve-se atentar para que a redução de consumo não implique em um
comprometimento irreversível da capacidade de solvência de algumas
distribuidoras.
O segundo exemplo é de geradores hídricos, que
têm a obrigação contratual de entregar a energia vendida em contratos de longo
prazo, vinculados aos leilões. Caso um gerador não produza energia suficiente
para atender o contrato, ele terá que comprar a diferença no mercado spot,
pagando o PLD, preço da energia de curto prazo, independente do seu valor.
Como o objetivo central do programa de redução
de consumo é poupar a água dos reservatórios, as centrais hidrelétricas
reduzirão a produção de energia elétrica, podendo ficar "a
descoberto" em relação às obrigações contratuais assumidas. E a diferença
terá que ser paga ao PLD teto de R$ 823/MWh criando débitos milionários.
A forma como o governo enquadrará legalmente a
política de redução de consumo fará grande diferença. Pela legislação em vigor,
se for decretado racionamento, o que até agora não foi ventilado, os contratos
das hidrelétricas com as distribuidoras serão ajustados para baixo no mesmo
montante da meta de racionamento. Essa redução acarretará perda de receita para
os geradores hídricos, mas também reduzirá as compras de energia no spot. Caso
se confirme a adoção de um programa de redução de consumo em vez de um
racionamento formal, poderá se configurar o pior dos mundos para as
hidrelétricas: diminuição da geração para poupar água acarretando a obrigação
de pagar a diferença entre energia gerada e contratada ao PLD.
Cabe notar que com ou sem redução de consumo é
muito provável que o PLD permaneça no teto de R$ 823/Mwh ao longo da maior
parte do ano, provocando forte impacto em outros agentes do setor além dos já
citados. A regra de fixação do PLD é, para os autores, inadequada e sem
fundamentação econômica, como foi analisado no artigo "Preço versus custo
da energia no setor elétrico brasileiro" publicado no Valor de 19/2/14. O
PLD é fixado por modelos computacionais e em situações de escassez, atinge
valores muito acima do custo médio da energia produzida. Isso faz com que o
risco hidrológico, inerente ao sistema elétrico brasileiro, se transforme
também em um risco financeiro de proporções exacerbadas, pois o volume de
energia elétrica comercializada ao PLD é sempre muito grande em situações de
escassez.
Atualmente com o PLD no teto, agentes que
precisam comprar energia no spot, por qualquer razão, estão sujeitos a uma
pressão financeira severa. Distribuidoras e hidrelétricas podem estar
enfrentando essa situação. Mas os geradores térmicos que estão sendo obrigados
a funcionar a plena capacidade durante meses também podem ser atingidos se não
forem capazes de gerar, por problemas de operação ou manutenção, toda a energia
a que se comprometeram. O mesmo pode ocorrer com geradores hídricos e térmicos
que atrasem a entrada em operação comercial. Todos esses agentes terão que
liquidar suas obrigações comprando energia no spot ao PLD máximo. Consumidores
livres com contratos expirando em 2014 também serão obrigados a comprar energia
a um preço que é cerca de sete vezes o preço médio usual. E comercializadoras
que tenham parte de suas vendas de prazos maiores lastreadas em compras de
curto prazo também podem sofrer perdas vultosas.
Em suma, o modelo atual de comercialização de
energia não parece estar sendo capaz de lidar adequadamente com uma situação de
seca prolongada. O uso intenso das termelétricas e a alta do PLD criam fluxos
financeiros demasiado grandes e que tendem a impactar fortemente diversos
agentes. No curto prazo deve-se recorrer ao diálogo e ao bom senso para lograr
uma necessária redução do consumo de energia sem colocar em risco a saúde
financeira do setor elétrico como um todo. No médio prazo há que revisitar as
regras de comercialização de energia para torná-las mais adequadas a um sistema
elétrico que sempre está sujeito ao risco hidrológico. (anacebrasil)
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