sábado, 14 de novembro de 2009

Incidência de raios no País vai aumentar

Segundo pesquisa, relâmpagos trarão mais falhas de energia
Apesar de o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) descartar desde anteontem que a queda de energia do sistema de Itaipu tenha sido causada por raios, essa explicação deverá ser cada vez mais utilizada nas panes elétricas no País. Segundo uma pesquisa inédita do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do próprio Inpe, os Estados de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais terão quase o dobro de desligamentos de energia causados por raios até o fim do século.
O estudo liga dois outros levantamentos - o primeiro mostra que mais de 70% dos desligamentos são causados por raios, e o segundo aponta aumento na incidência de raios em todo o País causado pelo aquecimento global. No Norte, por exemplo, o número de raios deve subir 150%, enquanto em boa parte do Nordeste e do Sudeste o crescimento deve atingir 90%. Segundo os pesquisadores responsáveis pelo trabalho, publicado no início do mês no livro Lightning in the Tropics: From a Source of Fire to a Monitoring System of Climatic Changes, a projeção não é apenas um chute - observações feitas por satélite já indicam um aumento de 18 % na incidência de descargas atmosféricas nos últimos dez anos.
"Com as mudanças climáticas, é natural que a incidência de raios aumente. É um fenômeno que já aparece nas estatísticas", diz Osmar Pinto Junior, pesquisador do Inpe e considerado a maior autoridade em raios do País. No Estado de São Paulo, por exemplo, houve aumento de 30% nas descargas elétricas de 2007 para 2008. "O crescimento é causado principalmente pelo aumento da temperatura, mas não é única mudança climática que está sendo observada. Assistimos cada vez mais a tempestades extremas. Em 13 de janeiro deste ano, por exemplo, na cidade de Osasco, ocorreram 400 raios em 20 minutos. Isso causa desgaste em toda rede, seja de energia ou de telefonia. E isso afeta a vida útil do sistema."
O Inpe informou ontem que está preparando um relatório técnico para o Operador Nacional do Sistema (ONS) sobre as condições atmosféricas na noite em que ocorreu o apagão. Os técnicos do Elat são categóricos em afirmar que as descargas mais próximas do sistema elétrico estavam a cerca de 30 km da subestação e cerca de 10 km de uma das quatro linhas de Furnas.
A estimativa de aumento porcentual da incidência de raios no País leva em conta um aquecimento global médio de 4°C. Atualmente, por sua extensão territorial e proximidade ao equador geográfico, o Brasil já é campeão mundial de raios - atingido anualmente por cerca de 70 milhões de descargas atmosféricas, ou quase três raios por segundo. "Não é um problema só de apagão - cerca de cem pessoas morrem anualmente no País atingidas por raios", diz Osmar Pinto Junior. "Claro que isso é fatalidade. Já as panes elétricas podem ser minimizadas com investimentos."
Chuvas e trovoadas
A ser verdadeira a versão de que o blecaute em 18 Estados do País se deveu ao mau tempo que se abateu sobre uma cidade chamada Itaberá (SP), isso significa que o Brasil tem um sistema de energia sujeito a chuvas e trovoadas. Portanto, vai acontecer de novo. Tantas vezes quantas forem contundentes as atribulações da natureza.
Agora, se ficar provado que a história não passa de uma desculpa esfarrapada, quer dizer que o Brasil tem um governo cuja preocupação primordial é tirar o corpo fora. Fugir de suas responsabilidades administrativas para não causar prejuízos à sua atividade política.
Em qualquer uma das hipóteses, estamos mal arranjados.
A se acreditar nas explicações do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, um curto-circuito foi capaz de tirar de operação a usina de Itaipu porque a pane no ponto de origem desligou outras tantas linhas de transmissão e deixou às escuras o maior, mais desenvolvido, mais celebrado e exaltado país da América do Sul, a nova coqueluche do mundo.
Lobão, que deve seu cargo à ligação com o presidente do Senado, José Sarney, senhor daquela sesmaria (o setor elétrico) na parte do latifúndio da administração federal reservada ao PMDB, assegurou que o sistema é um espetáculo e comparou o episódio a um acidente aéreo: "As máquinas são feitas para serem perfeitas, mas o avião às vezes cai."
Sim, por falha do equipamento, inépcia na operação ou fenômenos meteorológicos tão graves quanto imprevisíveis.
Não foi o caso. Segundo o mesmo ministro, "o Brasil é o país de maior concentração dessas situações extremas de meteorologia" e muito mais ainda na área afetada. Se as ocorrências são constantes são também previsíveis e, por isso, é de se supor, cobertas pelos sistemas de segurança.
O diretor-geral de Itaipu, o petista Jorge Samek, atribuiu o apagão à "lei de Murphy", o secretário-geral do Ministério de Minas e Energia culpou o desligamento de três linhas que levam energia de Itaipu para o resto do País, o presidente da Eletrobrás explicou que o problema estava nas linhas de transmissão da usina para São Paulo e o ministro do Planejamento duvidou que a origem do dano estivesse na fúria do céu.
Vinte horas depois do ocorrido, Lobão volta à cena e bate o martelo na versão do temporal. E para dizer o que no Paraguai já se sabia desde o fim da noite de terça-feira. O serviço brasileiro da BBC pôs no ar a explicação sobre o curto-circuito e consequente efeito dominó a uma da madrugada de quarta-feira.
Por que o governo brasileiro só falou oficialmente 16 horas depois? Por que a embromação?
A demora e as contradições deixam evidente a intenção do governo de evitar qualquer discussão que ponha em cheque a capacidade gerencial da administração e abale a imagem da gerente exigente e eficiente da ministra Dilma.
Mas esse é um efeito secundário. O principal para o Planalto, mais que a blindagem de Dilma Rousseff, é a blindagem do presidente Luiz Inácio da Silva. É a figura a ser preservada a qualquer custo, pois dele é que depende o futuro dos demais companheiros.
Quando o governo que tanto exibe a candidata esconde a ministra fiadora da eficácia do sistema elétrico sem fazer segredo da estratégia, está sutilmente deixando que a política, na pessoa de Dilma, pague uma conta que é administrativa. De responsabilidade do presidente da República.
Não por acaso, circulam convenientes versões sobre as cobranças "firmes" do presidente e sua "irritação" com as informações demoradas e desencontradas sobre o blecaute.
É sempre assim, em qualquer crise. Lula aparece como o personagem irritado que reclama dos incompetentes, exige da equipe uma solução imediata. Logo aparece uma versão conveniente e, em seguida, o assunto é dado unilateralmente como encerrado.
Desta vez também se repetiu o roteiro, cabendo ao ministro Lobão a tarefa de pôr o ponto final na questão, a despeito da opinião da maioria dos técnicos, do governo inclusive, sobre os indicativos de falha de operação.
Ao presidente Lula não apetece resolver problemas, mas se livrar deles de qualquer maneira para que não haja obstáculos em seu caminho. Como quer transparecer a todos que a adversidade pertence a uma outra era, que na administrada por ele tudo é glória, ao presidente os percalços soam ameaçadores.
Atrapalham a sustentação do discurso do triunfo absoluto.
Mas, como nem tudo é desastre nem tudo é esplendor puro, convém sempre lidar com a realidade com mais equilíbrio para que os tropeços possam ser vistos como eventualidades naturais e os danos contabilizados sejam bem mais reduzidos.
Se no caso do blecaute o governo não mentiu, tergiversou. Para ganhar tempo até pensar como administrar o revés com o mínimo de prejuízo político possível, quando talvez ganhasse mais se optasse pela lógica do máximo benefício administrativo.

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