Geração de energia elétrica do Nordeste: uma pilha fraca no final do túnel
Em 1999, tive uma conversa franca com João Paulo Maranhão Aguiar, assessor da presidência da Chesf, hoje aposentado, sobre a geração de energia elétrica em nosso País, com enfoque especial na geração elétrica da região nordeste. Guardo comigo até hoje os rabiscos feitos por ele no decorrer da nossa conversa (considero um documento histórico).
Foi um encontro ótimo, pois foi ali que comecei a entender as complicadas relações existentes entre o processo de geração de energia em si, e as consequências impostas, por ela, ao ambiente natural da região. Essa conversa foi o marco inicial de minha luta decana em defesa da vida do São Francisco, rio responsável por mais de 95% da energia gerada no Nordeste, cujos desdobramentos todos já conhecem: vários textos escritos sobre o assunto, livros publicados e um enorme acervo de informações circulando na internet.
Do que pude depreender da conversa, um ponto mereceu minha atenção: a projeção preocupante feita por Aguiar, sobre a geração de energia no Nordeste, caso não ocorressem os investimentos necessários para o pleno funcionamento do setor. Sobre essa questão, mencionou a importância e a necessidade de se contar com a participação de outras fontes e formas de energia (solar, eólica, biomassa, nuclear, entre outras), no auxílio ao setor hidrelétrico. O exercício de cálculo feito por ele foi simples e fácil de entender: a Chesf já havia explorado praticamente todo o potencial gerador da bacia do São Francisco (atualmente, a região conta com cerca de 10 mil MW de potência instalada, potência essa que gera anualmente cerca de 50 milhões de MW/h). Mas ocorre que o Nordeste continua se desenvolvendo (estima-se que seu PIB venha crescendo numa faixa de 4 a 6% ao ano). Ainda segundo Aguiar, as demandas de energia elétrica costumam crescer cerca de 2% acima do crescimento do PIB, ou seja, se o PIB nordestino está crescendo a uma taxa de 4 a 6% ao ano, as demandas de energia da região estão crescendo na faixa de 6 a 8%. A prosseguir nesse ritmo de crescimento, afirmou Aguiar, em torno de 10 a 12 anos (em seus rabiscos 2012 é grafado como o ano crucial) teríamos, necessariamente, que dobrar a nossa geração elétrica para continuar viabilizando o nosso desenvolvimento. No Nordeste, ao invés de 50 milhões de MW/h, teríamos que gerar cerca de 100 milhões de MW/h.
A pergunta que ele deixou no ar foi a seguinte: onde será gerada essa energia, se o rio São Francisco já está com o seu potencial gerador praticamente esgotado?
As autoridades apostaram na interligação do sistema elétrico nacional e no apoio das termelétricas, em casos de necessidade, como solução plausível para o problema. Ora, em 2001 o nosso sistema nacional de geração, que já era interligado, deu sinais de debilidade no atendimento às demandas do país. A prova disso é o racionamento de energia ocorrido naquele ano. A hidrelétrica de Tucuruí, por exemplo, localizada no rio Tocantins (bacia Amazônica), chegou a enviar cerca de 1.200 MW para o Nordeste, num momento em que, ela própria, racionava também sua energia em 20%.
A explicação para tudo isso é a seguinte: cerca de 80% da energia elétrica do país são gerados em hidrelétricas. No ano de 2001 houve descompassos na caída das chuvas em todo território nacional, resultando em baixas acumulações nos reservatórios das nossas principais usinas. Como, as turbinas instaladas nas hidrelétricas brasileiras são programadas para gerar energia em 60 hertz, ou seja, com 60 ciclos por segundo, só podem fazê-lo nessa frequência, pois todas as máquinas, equipamentos e eletrodomésticos instalados no país estão ajustados a ela. Isso exige que as turbinas mantenham, com estabilidade, uma certa velocidade de rotação. Quando a coluna d’água diminui nas hidrelétricas, devido ao esvaziamento dos reservatórios, o peso da água também diminui e o fluxo se torna menos estável, exigindo que as turbinas façam mais esforço para manter a rotação programada. Se o esforço for excessivo, os sistemas de proteção entram em ação automaticamente, interrompendo a geração. Essas condições predispõem o sistema a apagões, ou seja, a quedas súbitas e descontroladas de energia, que podem ser sequenciais, por sobrecarga.
Sendo assim, a ampliação da matriz energética nacional, através de outras fontes e forma de energia, se faz necessária, para ajudar um sistema de geração hidrelétrica que se encontra atualmente cambaleante. Essa é uma medida necessária, com vistas a diminuir os indesejáveis acionamentos das termelétricas, que têm encarecido a tarifa de energia elétrica e causado preocupantes danos ao ambiente natural da região.
No decorrer de nossa conversa, Aguiar também citou a necessidade de haver acréscimos anuais de potência na rede elétrica do país, a fim de manter, de forma equilibrada, o nosso desenvolvimento econômico. Mencionou algo em torno de 5.000 MW/ano.
Em 2008, havia chamado atenção para essa necessidade, ao publicar o artigo Alternativas para a seca nordestina: a disputa é por dinheiro. Nele, mostrei a baixa potência que havia sido acrescida ao sistema elétrico, nos três primeiros anos do governo Lula. Ao invés dos 15.000 MW necessários, de acordo com Aguiar (5.000 MW a cada ano), haviam sido instalados no país um pouco mais de 5.400 MW.
Os apagões acontecidos recentemente no Nordeste brasileiro, talvez tenham sido motivados por esse tipo de deficiência no sistema: descompassos na caída das chuvas, associados à deficiência de acréscimos de potência na rede. São os meus argumentos.
Particularmente, não acredito nas explicações as mais estapafúrdias vindas do governo para justificar o problema: raio treloso, questões celestiais por falta de chuvas, defeito em uma “cartela eletrônica” (motivo alegado pelas autoridades para o último apagão ocorrido no Nordeste e que desligou, literalmente, oito estados da região), entre outras.
É possível, sim, que esteja havendo instabilidade na geração, motivada pela falta de investimentos no setor.
E as autoridades estão cientes disso. Tanto é verdade que existe empenho na ampliação da potência elétrica instalada em todo País. Não é por outra razão, o firme propósito de se construir hidrelétricas na região Norte, a todo custo e a contragosto dos ambientalistas, visando à exploração das potencialidades energéticas da bacia amazônica. Para mim, isso é um fato evidente.
Finalmente, é imperioso que se comece um estudo para se determinar os reais acréscimos de potência instalados na rede elétrica brasileira, desde 2001, ano em que ocorreram os problemas de racionamento de energia elétrica e os apagões. Isso precisa ser divulgado com muita clareza para a sociedade, a fim de que ela possa vislumbrar uma “luz” ao final do túnel, e não uma “pilha fraca” conforme o setor elétrico vem, sistematicamente, sugerindo. (EcoDebate)
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