Desenvolvimento sustentável - A energia dos oceanos
A
matriz energética brasileira é predominantemente hídrica. Mas esta fonte é
baseada nos rios, na água doce. Há ainda um imenso potencial que pode ser usado
com fins energéticos também no mar. Se associarmos as novas tecnologias já em
funcionamento em algumas partes do mundo à imensa costa do país, cuja extensão
ultrapassa os nove mil quilômetros, não seria exagero afirmar que pode estar no
mar mais uma importante forma de se obter energia elétrica renovável.
Há
quatro formas de se transformar a força do mar em eletricidade: pelas marés,
pelas ondas, pelas correntes marítimas ou pela diferença de temperatura nos
oceanos. No primeiro caso, para aproveitar a energia pelo deslocamento das
águas do mar, são construídos diques numa praia que tenha marés e correntes
fortes – algo como uma diferença no nível de água de mais de cinco metros entre
as marés alta e baixa, que acontecem duas vezes por dia.
Esse
tipo de energia é obtido de modo semelhante ao da energia hidrelétrica
convencional: constrói-se uma barragem, formando-se um reservatório junto ao
mar. Quando a maré é alta, a água enche o reservatório, passando através da
turbina e produzindo energia elétrica. Na maré baixa o reservatório é esvaziado
e água que sai dele, passando novamente através da turbina, em sentido
contrário, também produz eletricidade.
Mesmo assim, por conta
da necessidade de mudanças elevadas das marés, existem poucos locais no mundo
para o aproveitamento deste potencial. Basicamente seria em golfos. Daí a
explicação dessa tecnologia ainda ser pouco utilizada. Soma-se a isso o fato de
o fornecimento não ser contínuo, em função das altas e baixas, apresentando um
rendimento energético abaixo de outras fontes. Ainda assim é uma fonte secular.
Portugal, por exemplo, usa esse tipo de energia há pelo menos dois séculos. Lá
existem os “moinhos de maré”, utilizados para moagem de cereais, na foz dos
rios e estuários. Em escala um pouco maior, este tipo de fonte já é usada no
Japão, Inglaterra e Noruega. No Brasil há uma grande amplitude de marés, mas
somente em determinadas regiões. Um exemplo é a Baia de São Marcos, no
Maranhão, onde se tem o registro de marés que alcançam 6,8 metros. No entanto,
a topografia do litoral inviabiliza economicamente a construção de
reservatórios.
Outra forma de obtenção
energética do mar é pelo movimento das ondas do oceano. Na teoria, se fosse
possível equipar todos os litorais do planeta com conversores energéticos, como
os poucos já em operação em algumas partes do mundo, poderíamos desativar todas
as centrais elétricas existentes atualmente. No entanto, entre a teoria e a
prática há um longo caminho. De acordo com os estudos já realizados, a exemplo
de alguns disponibilizados pela Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em
inglês), uma onda de três metros de altura pode conter pelo menos 25 kW de
energia por metro de frente. O problema ainda não resolvido tecnologicamente é
como transformar toda essa energia em eletricidade de maneira eficiente, sem
perdas e garantindo alto rendimento. Isso já vem sendo pensado há pelo menos
cem anos e só na Inglaterra já foram concedidas mais de 350 patentes, que,
ainda que com suas diferenças técnicas, mantêm o mesmo princípio: a onda
pressiona um corpo oco, comprimindo o ar ou um líquido que move uma turbina
ligada a um gerador. Alguns sistemas são flutuantes (tecnologia offshore, em
águas profundas), outros encravados em terrenos íngremes, próximos às costas.
Apesar dos primeiros
experimentos ingleses, é Portugal quem vem despontando neste setor. Até o
momento, segundo o Relatório de Gestão do Instituto Superior de Engenharia de
Lisboa, as zonas costeiras do país, especialmente o lado ocidental e as ilhas
dos Açores, são os locais com condições naturais mais favoráveis no mundo para
o aproveitamento da energia das ondas: recurso abundante (cerca de 25-30 kW/m
média anual), águas profundas perto da costa e consumo e rede elétrica
próximos. Desde a década de 1970 os portugueses dedicam-se a esses estudos, com
grande número de publicações científicas e coordenação de projetos em todo o
continente. Entre as realizações está a liderança no Atlas Europeu de Energia
das Ondas, um estudo que serve não apenas para avaliação de projetos e
empreendimentos na área energética, mas para a navegação, geologia marítima e
engenharias costeira e naval.
Mesmo com o grande
potencial energético, o avanço das usinas de geração nos oceanos esbarra em
dois fatores importantes: o custo e o dano ambiental com armazenamento e
transporte. Ainda assim, as iniciativas continuam, também com a busca de
energia pela diferença de temperatura nos oceanos.
Em função da irradiação
solar, a água do mar é mais quente nos 50 a 100 metros superficiais e vai
esfriando conforme a profundidade. Essa situação pode ser convertida em energia
térmica (a energia solar armazenada na água), desde que a diferença entre a
superfície a o fundo do oceano seja de 38 graus Fahrenheit (ou 3,33 ° Celsius).
A tecnologia para isso é chamada Conversão de Energia Térmica do Oceano (OTEC,
Ocean Thermal Energy Convertion). Segundo Emmanuel Gama de Almeida, engenheiro
hidrógrafo e oceanógrafo, “o gradiente térmico do mar é, de longe, o principal
recurso energético utilizável dos oceanos: cerca de 40 bilhões de Megawatts”.
Não há ainda nenhuma usina comercial em operação no mundo, mas no Japão e no
Hawai já existem protótipos para demonstração e experiências. Novamente os
problemas são os custos e a eficiência.
O mesmo sol que aquece a
superfície, junto com o vento e a rotação da Terra, são ainda responsáveis
pelas correntes marítimas, outra possibilidade de obtenção energética. Sabe-se
que o movimento de grandes massas de água dentro dos oceanos e mares, além de
influenciar o clima nas regiões e o equilíbrio da vida marinha, possuem
direções e constâncias definidas. Aproveitar a quantidade de energia cinética
para produzir eletricidade também vem sendo estudado, sobretudo na Europa.
Novos projetos, novos
mercados
Mesmo
tendo custos ainda elevados, importantes setores não desistem da energia do
mar. Um exemplo recente foi o acordo de cooperação de licenciamento assinado
pela Alstom Hydro do Canadá (que atua no Brasil há 50 anos, detendo 35% dos
equipamentos utilizados no setor hidrelétrico nacional) com a Clean Current
Power Systems Incorporated, empresa também canadense especializada na concepção
e ensaio de tecnologia da energia das marés. Segundo o comunicado da Alstom, “a
tecnologia de energia das marés apresenta inúmeras vantagens para o ambiente. É
limpa, natural, invisível, e não emite qualquer gás com efeito de estufa. Além
disso, sendo uma fonte de energia 100% previsível e inesgotável, representa uma
nova fonte de energia duradoura para responder à crescente procura de
eletricidade”. É uma aposta num novo nicho de mercado. O acordo entre as duas
empresas prevê a continuidade da cooperação para o desenvolvimento de
tecnologia, implantação de unidades de demonstração e posteriormente, o
posicionamento da Alstom Hydro tanto como fornecedora de equipamento como de
projetos para parques de energia das marés. A empresa pretende comercializar os
seus primeiros produtos nessa área já em 2012.
Aqui no
Brasil os estudos também avançam. O Laboratório de Tecnologia Submarina da
Coordenação de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(COPPE/UFRJ) vem sendo a referência nacional nas pesquisas sobre energia do mar
desde 2001. Os pesquisadores da COPPE acreditam que a tecnologia das ondas pode
proporcionar custos de geração próximos aos das hidrelétricas, sem impactos
ambientais tão volumosos. Também explicam que o Brasil já domina a tecnologia
(pela similaridade do sistema hidrelétrico), podendo fabricar os componentes
para essas usinas marinhas.
Desde
março deste ano, uma parceria firmada com a Tractebel Energia irá viabilizar o
projeto no Porto de Pecém, no Ceará. A meta é colocar em funcionamento até 2011
o primeiro protótipo de Conversor On-Shore de Energia Elétrica a partir das
ondas do mar. Similar a uma usina hidrelétrica, o conversor será construído nos
molhes do porto. “A Tractebel avalia e negocia o projeto desde abril de 2008, e
espera que o prazo estimado seja suficiente para ter a operacionalidade deste
primeiro conversor de energia elétrica a partir das ondas do mar. Por ser um
projeto pioneiro, não é surpresa se alguma alteração for necessária”, diz o
gerente de P&D da Tractebel Energia, Sergio Roberto Maes.
Conforme
estudos da COPPE, o Brasil tem potencial para suprir até 15% de sua demanda
energética usando ondas do mar convertidas em energia elétrica. O projeto em
Pecém, orçado em R$ 15 milhões, prevê a instalação de dois módulos de
bombeamento com capacidade de geração de até 100 mil watts, suficientes para
acender 1.667 lâmpadas comuns de 60 watts. (primeiroplano)
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