sexta-feira, 20 de julho de 2012

Japão e Alemanha: o dilema nuclear

Há um dilema energético que tanto a chanceler alemã Angela Merkel quanto o primeiro-ministro japonês Yoshihiko Noda enfrentam neste momento: atender ao clamor público que exige o fechamento das usinas nucleares existentes em seus países ou seguir os ditames da segurança energética que aconselham a manutenção dessas usinas em funcionamento para assegurar a confiabilidade e os custos do suprimento de energia, essenciais para a competitividade de suas economias.
Esse não é um dilema novo para esses países. A peculiaridade do atual momento reside na dramaticidade introduzida pelo desastre de Fukushima, ocorrido no início do ano passado, no trade-off segurança energética versus insegurança nuclear; ou seja, risco de déficit energético versus risco de acidente nuclear.
Até então, a indústria nuclear vinha atravessando um período de renascimento, apresentando uma tendência de crescimento, devido ao rápido desenvolvimento nos países emergentes (principalmente na China). Parte desse renascimento justificava-se pela necessidade crescente de segurança energética e principalmente devido à preocupação quanto ao aquecimento global.
Em 2010 a Agência Internacional de Energia (AIE) divulgou um relatório no qual afirmava que “a expansão da energia nuclear era um fator chave para combater as alterações climáticas”.
Nesse contexto, o desastre natural de Fukushima provocou uma crise na indústria nuclear, quiçá, a pior em 26 anos, pois reavivou fortemente as preocupações com a segurança das usinas nucleares, colocando em xeque a opção por essa fonte como alternativa energética aos combustíveis fósseis. Diversos países, principalmente Alemanha e Japão, iniciaram um processo de revisão nas suas políticas energéticas nas quais a energia nuclear era considerada como uma fonte de extrema importância para a segurança energética e para atender às exigências da política climática global. A opinião pública chocada com o acidente na planta de Fukushima exigiu uma posição firme dos dirigentes desses países contra as usinas nucleares.
Antes de Fukushima, o Japão era o terceiro maior produtor de eletricidade, a partir da energia nuclear, que correspondia a cerca de 30% do total de produção elétrica. Eram 54 reatores em operação gerando 47 GW. O governo japonês tinha planos de aumentar a utilização dessa energia, elevando a parcela da energia nuclear em 41% até 2017 e 53% até 2030.
Fukushima alterou completamente as ambições do governo japonês, em parte devido à forte reação da população. Imediatamente após o acidente, o Primeiro-Ministro ordenou a paralisação de alguns reatores e a interrupção das obras em curso de novos. Os reatores paralisados antes de serem religados passariam por inspeções. No entanto esses reatores não voltaram a funcionar justamente pela falta de confiança na segurança das usinas. A paralisação do último reator no dia 05 de maio de 2012 deixou o país sem centrais atômicas pela primeira vez após 42 anos.
As novas ações de política energética levaram o país a intensificar a utilização de combustíveis fósseis na geração elétrica. Em adição, tal medida levou a balança comercial a registrar em janeiro de 2012 seu maior déficit nos últimos 33 anos, devido ao aumento das importações, sobretudo pela compra de hidrocarbonetos.
O governo japonês diante dessa encruzilhada tem o desafio de buscar uma fonte de energia que seja capaz de substituir a energia nuclear sem trazer fortes consequências econômicas e climáticas. O diretor geral da JETRO – Japan External Trade Organisation -, Jun Arima em artigo publicado pela World Energy Council, em setembro de 2011, apresentou algumas estimativas para a substituição de todas as centrais nucleares no Japão por outras fontes. No caso de fontes térmicas isso acarretaria: i) impacto na balança comercial devido à adição de US$ 38 bilhões por ano de combustível importado; ii) elevação do preço da energia, sobretudo para a indústria japonesa; iii) aumento nas emissões de CO2 em 2020 que seriam 18% maiores em relação aos níveis de 1990.
Na hipótese do Japão substituir sua geração nuclear por fontes renováveis, a substituição total da nuclear por solar, requereria um montante de investimentos que poderia chegar a US$1 trilhão e haveria, também, a necessidade de ter um espaço territorial para a instalação das plantas solares de 5260 Km². Na hipótese da substituição por energia eólica, os investimentos necessários seriam da ordem de US$ 375 bilhões e o espaço territorial para abrigar os aerogeradores chegaria a 5000 Km². (WEC, 2011).
O governo japonês tem feito o alerta de que o país pode enfrentar falta de energia durante o verão e defende a reabertura de usinas nucleares que já passaram pelos testes e foram consideradas seguras. O próprio ministro encarregado das políticas nucleares, Goshi Hosono, admitiu a jornalistas que a situação da geração elétrica é séria e o Japão não pode sacrificar a segurança energética.
A Alemanha também implantou ações, após o acidente em Fukushima, fechando sete usinas nucleares, as mais antigas, e outra usina que estava temporariamente off-line. Em 2010, o país tinha 17 reatores em operação, com uma capacidade de 20 GW, correspondendo a 23% da matriz elétrica do país. Em maio do ano passado, sob uma forte pressão política do partido verde, o governo alemão tomou a decisão de abandonar a energia nuclear até 2022. Os oito reatores que estavam temporariamente desligados deixaram de ser utilizados de forma permanente, enquanto os nove restantes serão desligados gradualmente. Três reatores serão desligados em 2015, 2017 e 2019 respectivamente, e outros três deixarão de funcionar em 2021. No último ano da energia nuclear do país, 2022, está programado finalizar a operação dos últimos reatores (WEC, 2012).
A chanceler Merkel decidiu alterar sua política nuclear, justificando que se baseou no parecer de uma comissão que vinha examinando questões ligadas a essa fonte de energia. Muitos analistas afirmaram que o desempenho eleitoral ruim de seu partido contribuiu para essa decisão também. No entanto, essa decisão impacta o sistema energético europeu, pois mais centrais térmicas a gás podem operar como opção para compensar a parcela deixada pela energia nuclear. Essa configuração vai trazer implicações no preço da eletricidade e no mercado de gás europeu trazendo mais dependência da Europa em relação ao gás russo.
Após o fechamento das usinas o custo da energia elétrica no país já cresceu 12% (Eletronuclear, 2012) e isso traz uma preocupação para a indústria alemã que já advertiu o governo de que é preciso agir com cautela nas decisões políticas para não prejudicar a competitividade do país. Um exemplo foi a ameaça da indústria farmacêutica Bayer, que emprega mais de 35.000 pessoas no país, em retirar da Alemanha suas fábricas de produtos químicos como reação ao aumento dos custos com eletricidade. (The Guardian, 2011). Ao contrário do Japão, a Alemanha dispõe de uma maior presença de energia renovável. Entretanto, enquanto as renováveis não tiverem capacidade de substituir completamente a energia nuclear, as emissões do setor elétrico alemão podem crescer a exemplo do ocorrido no ano passado em que as emissões do setor aumentaram 2-6% (WNN, 2012).
Para esquentar as discussões sobre o uso da energia nuclear o ex-primeiro ministro francês, Dominique de Villepin, no Fórum de Sustentabilidade de Manaus em março de 2012, declarou que a troca do uso de energia nuclear e fóssil por outras não é simples nem viável no curto prazo. Segundo Villepin, o caso da Alemanha, que pretende zerar o uso da energia nuclear, não é possível de ser reproduzido na França.
Nesse sentido, a própria AIE, mesmo depois de Fukushima, manteve a sua preocupação de que se o crescimento do consumo se desse através do uso intenso de combustíveis fósseis – sem a contribuição do nuclear -, as emissões de CO2 aumentariam em 20%, com risco do aumento da temperatura global passar dos 3 ºC .
Enfim, o quadro apresentado do atual contexto energético do Japão e da Alemanha serve como um bom exemplo da complexidade que envolve os interesses, sobretudo políticos e econômicos, quando das decisões estratégicas de política energética. Neste ambiente globalizado e altamente competitivo, os países terão que ordenar criteriosamente suas opções e prioridades. Escolhas erradas neste momento provavelmente irão acarretar grandes custos econômicos, políticos e ambientais no futuro. (ambienteenergia)

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