Há um dilema energético que tanto a chanceler alemã Angela
Merkel quanto o primeiro-ministro japonês Yoshihiko Noda enfrentam neste
momento: atender ao clamor público que exige o fechamento das usinas nucleares
existentes em seus países ou seguir os ditames da segurança energética que
aconselham a manutenção dessas usinas em funcionamento para assegurar a
confiabilidade e os custos do suprimento de energia, essenciais para a
competitividade de suas economias.
Esse não é um dilema novo para esses países. A peculiaridade
do atual momento reside na dramaticidade introduzida pelo desastre de
Fukushima, ocorrido no início do ano passado, no trade-off segurança energética
versus insegurança nuclear; ou seja, risco de déficit energético versus risco
de acidente nuclear.
Até então, a indústria nuclear vinha atravessando um período
de renascimento, apresentando uma tendência de crescimento, devido ao rápido
desenvolvimento nos países emergentes (principalmente na China). Parte desse
renascimento justificava-se pela necessidade crescente de segurança energética
e principalmente devido à preocupação quanto ao aquecimento global.
Em 2010 a Agência Internacional de Energia (AIE) divulgou um
relatório no qual afirmava que “a expansão da energia nuclear era um fator
chave para combater as alterações climáticas”.
Nesse contexto, o desastre natural de Fukushima provocou uma
crise na indústria nuclear, quiçá, a pior em 26 anos, pois reavivou fortemente
as preocupações com a segurança das usinas nucleares, colocando em xeque a
opção por essa fonte como alternativa energética aos combustíveis fósseis.
Diversos países, principalmente Alemanha e Japão, iniciaram um processo de revisão
nas suas políticas energéticas nas quais a energia nuclear era considerada como
uma fonte de extrema importância para a segurança energética e para atender às
exigências da política climática global. A opinião pública chocada com o
acidente na planta de Fukushima exigiu uma posição firme dos dirigentes desses
países contra as usinas nucleares.
Antes de Fukushima, o Japão era o terceiro maior produtor de
eletricidade, a partir da energia nuclear, que correspondia a cerca de 30% do
total de produção elétrica. Eram 54 reatores em operação gerando 47 GW. O
governo japonês tinha planos de aumentar a utilização dessa energia, elevando a
parcela da energia nuclear em 41% até 2017 e 53% até 2030.
Fukushima alterou completamente as ambições do governo
japonês, em parte devido à forte reação da população. Imediatamente após o
acidente, o Primeiro-Ministro ordenou a paralisação de alguns reatores e a
interrupção das obras em curso de novos. Os reatores paralisados antes de serem
religados passariam por inspeções. No entanto esses reatores não voltaram a
funcionar justamente pela falta de confiança na segurança das usinas. A
paralisação do último reator no dia 05 de maio de 2012 deixou o país sem
centrais atômicas pela primeira vez após 42 anos.
As novas ações de política energética levaram o país a
intensificar a utilização de combustíveis fósseis na geração elétrica. Em
adição, tal medida levou a balança comercial a registrar em janeiro de 2012 seu
maior déficit nos últimos 33 anos, devido ao aumento das importações, sobretudo
pela compra de hidrocarbonetos.
O governo japonês diante dessa encruzilhada tem o desafio de
buscar uma fonte de energia que seja capaz de substituir a energia nuclear sem
trazer fortes consequências econômicas e climáticas. O diretor geral da JETRO –
Japan External Trade Organisation -, Jun Arima em artigo publicado pela World
Energy Council, em setembro de 2011, apresentou algumas estimativas para a
substituição de todas as centrais nucleares no Japão por outras fontes. No caso
de fontes térmicas isso acarretaria: i) impacto na balança comercial devido à
adição de US$ 38 bilhões por ano de combustível importado; ii) elevação do
preço da energia, sobretudo para a indústria japonesa; iii) aumento nas
emissões de CO2 em 2020 que seriam 18% maiores em relação aos níveis de 1990.
Na hipótese do Japão substituir sua geração nuclear por
fontes renováveis, a substituição total da nuclear por solar, requereria um
montante de investimentos que poderia chegar a US$1 trilhão e haveria, também,
a necessidade de ter um espaço territorial para a instalação das plantas
solares de 5260 Km². Na hipótese da substituição por energia eólica, os
investimentos necessários seriam da ordem de US$ 375 bilhões e o espaço
territorial para abrigar os aerogeradores chegaria a 5000 Km². (WEC, 2011).
O governo japonês tem feito o alerta de que o país pode
enfrentar falta de energia durante o verão e defende a reabertura de usinas
nucleares que já passaram pelos testes e foram consideradas seguras. O próprio
ministro encarregado das políticas nucleares, Goshi Hosono, admitiu a
jornalistas que a situação da geração elétrica é séria e o Japão não pode
sacrificar a segurança energética.
A Alemanha também implantou ações, após o acidente em
Fukushima, fechando sete usinas nucleares, as mais antigas, e outra usina que
estava temporariamente off-line. Em 2010, o país tinha 17 reatores em operação,
com uma capacidade de 20 GW, correspondendo a 23% da matriz elétrica do país.
Em maio do ano passado, sob uma forte pressão política do partido verde, o
governo alemão tomou a decisão de abandonar a energia nuclear até 2022. Os oito
reatores que estavam temporariamente desligados deixaram de ser utilizados de
forma permanente, enquanto os nove restantes serão desligados gradualmente.
Três reatores serão desligados em 2015, 2017 e 2019 respectivamente, e outros
três deixarão de funcionar em 2021. No último ano da energia nuclear do país,
2022, está programado finalizar a operação dos últimos reatores (WEC, 2012).
A chanceler Merkel decidiu alterar sua política nuclear,
justificando que se baseou no parecer de uma comissão que vinha examinando
questões ligadas a essa fonte de energia. Muitos analistas afirmaram que o
desempenho eleitoral ruim de seu partido contribuiu para essa decisão também.
No entanto, essa decisão impacta o sistema energético europeu, pois mais
centrais térmicas a gás podem operar como opção para compensar a parcela
deixada pela energia nuclear. Essa configuração vai trazer implicações no preço
da eletricidade e no mercado de gás europeu trazendo mais dependência da Europa
em relação ao gás russo.
Após o fechamento das usinas o custo da energia elétrica no
país já cresceu 12% (Eletronuclear, 2012) e isso traz uma preocupação para a
indústria alemã que já advertiu o governo de que é preciso agir com cautela nas
decisões políticas para não prejudicar a competitividade do país. Um exemplo
foi a ameaça da indústria farmacêutica Bayer, que emprega mais de 35.000
pessoas no país, em retirar da Alemanha suas fábricas de produtos químicos como
reação ao aumento dos custos com eletricidade. (The Guardian, 2011). Ao
contrário do Japão, a Alemanha dispõe de uma maior presença de energia
renovável. Entretanto, enquanto as renováveis não tiverem capacidade de
substituir completamente a energia nuclear, as emissões do setor elétrico
alemão podem crescer a exemplo do ocorrido no ano passado em que as emissões do
setor aumentaram 2-6% (WNN, 2012).
Para esquentar as discussões sobre o uso da energia nuclear
o ex-primeiro ministro francês, Dominique de Villepin, no Fórum de
Sustentabilidade de Manaus em março de 2012, declarou que a troca do uso de
energia nuclear e fóssil por outras não é simples nem viável no curto prazo.
Segundo Villepin, o caso da Alemanha, que pretende zerar o uso da energia nuclear,
não é possível de ser reproduzido na França.
Nesse sentido, a própria AIE, mesmo depois de Fukushima,
manteve a sua preocupação de que se o crescimento do consumo se desse através
do uso intenso de combustíveis fósseis – sem a contribuição do nuclear -, as
emissões de CO2 aumentariam em 20%, com risco do aumento da temperatura global
passar dos 3 ºC .
Enfim, o quadro apresentado do atual contexto energético do
Japão e da Alemanha serve como um bom exemplo da complexidade que envolve os
interesses, sobretudo políticos e econômicos, quando das decisões estratégicas
de política energética. Neste ambiente globalizado e altamente competitivo, os
países terão que ordenar criteriosamente suas opções e prioridades. Escolhas
erradas neste momento provavelmente irão acarretar grandes custos econômicos,
políticos e ambientais no futuro. (ambienteenergia)
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