O Brasil não precisa
de mais usinas nucleares
O acidente de
Fukushima aconteceu 25 anos depois do de Chernobyl (ex-União Soviética, atual
Ucrânia), que aconteceu sete anos depois do de Three Mile Island (Estados
Unidos).
Essa sequência de
acidentes jogou por terra as conclusões do mais importante estudo sobre
segurança de reatores nucleares, segundo o qual a probabilidade de acidentes
graves em centrais nucleares é tão pequena, que só a cada 35 mil anos poderia
acontecer um. A metodologia desenvolvida nesse estudo – que foi feito em 1975, por
um grupo dirigido pelo professor Norman Rassmussem, do Instituto de Tecnologia
de Massachussetts (MIT) para a Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos
(Relatório Wash 1400) – serviu de base para as análises de segurança de
praticamente todas as centrais nucleares desde então implantadas no mundo.
Não existe máquina
infalível nem obra de engenharia 100% segura. Haja vista os inúmeros acidentes
de avião, automóvel e trem que acontecem pelo mundo. Entretanto os acidentes
nucleares têm dimensões que os outros não têm. Eles se propagam pelo espaço –
continentes inteiros – e pelo tempo – décadas, senão séculos.
Um desastre de avião,
por exemplo, atinge diretamente os passageiros e, por mais traumático que seja,
este tipo de acidente termina no local e no instante em que acontece. Um
acidente em central nuclear apenas começa no instante e no local em que ocorre.
Alguns anos depois centenas de pessoas em regiões inteiras sofrerão males
induzidos por exposição a radiações ionizantes. E em algumas décadas crianças
nascerão com aberrações cromossômicas e desenvolverão leucemia e desordens
endócrinas e imunológicas, provocadas pela absorção, por seus genitores, de
doses de radiação acima do tolerável, como acontece até hoje em consequência do
acidente de Chernobyl com a população que permaneceu nas cidades próximas.
O Brasil não precisa
correr risco semelhante, porque dispõe de abundantes recursos energéticos
renováveis e capacidade técnica para aproveitá-los. De fato, em adição aos 100
GW de potencial das grandes hidrelétricas que já estão em operação ou em
implantação, ainda restam por aproveitar 150 GW. Além disso, há o potencial das
pequenas hidrelétricas, que é de 17 GW. E ainda há o potencial resultante da
modernização das usinas em operação e da racionalização do uso da energia.
O potencial eólico
avaliado em 2001 era de 143 GW, para turbinas encontradas no mercado,
instaladas em torres de 50 metros. Com o desenvolvimento de turbinas mais
eficientes e torres mais altas, esse potencial é estimado em 300 GW. Para as
térmicas a bagaço-de-cana, o potencial é de 15 GW. Há, ainda, a opção
fotovoltaica, que já é uma realidade em países tecnologicamente avançados.
No lugar das usinas
nucleares planejadas pelo governo, várias combinações de fontes renováveis são
possíveis, todas elas com custos de investimento inicial de cerca da metade da
opção nuclear. Ademais, é evidente que as alternativas renováveis prescindem de
combustíveis, ao contrário das usinas nucleares, que consomem montanhas de
minério de urânio e, ao final de suas vidas úteis, deixam a herança dos
combustíveis irradiados, que, devido à sua alta radiotoxidade, requerem
tratamento especial e uma estocagem sob vigilância 24 horas por dia. A
estocagem pode durar de centenas de anos, se os combustíveis forem desmontados
e reprocessados, até milhares de anos, se forem guardados tal como saem dos
reatores. Tudo isso sob rigorosa vigilância de forças policiais especialmente
treinadas, para evitar que grupos anarquistas ou terroristas se apropriem
desses materiais.
Tal vigilância é
muito onerosa e contribui para aumentar o custo da energia nuclear. Aliás, nos
recentes leilões promovidos pelo governo, a energia hidrelétrica e a energia
eólica foram negociadas pela metade do preço calculado para energia nuclear –
apesar de ser esta favorecida por importantes subsídios.
Se, por motivos
sociais, ambientais e políticos, aproveitarmos apenas 70% da capacidade
hidráulica ainda por explorar na Amazônia, 80% da capacidade das demais regiões
e 50% da capacidade eólica, poderemos estruturar um sistema interligado
inteligente (“smart grid”) capaz de oferecer anualmente cerca de 1,4 bilhão de
MWh a partir de fontes inteiramente renováveis, o que será suficiente para
atender a uma demanda per capita da ordem de 6.600 kWh (semelhante ao padrão
atual da Alemanha) na década de 2040, quando, segundo o IBGE, a população
estará estabilizada em 215 milhões de habitantes.
Há uma tendência
natural de complementaridade das disponibilidades energéticas entre os ciclos
hídrico e eólico no Brasil. Além disso, uma eventual complementação com usinas
térmicas, com suprimento flexível de gás natural, para operação em períodos
hidroeólicos críticos, permitiria aumentar a confiabilidade e reduzir custos.
Se o potencial
elétrico renovável fosse aproveitado de maneira inteligente, os brasileiros
teriam energia elétrica por custos dos mais baixos do mundo, o que, entre
outros benefícios, daria um grande poder de competitividade à nossa indústria,
compensando, em parte, o chamado “custo Brasil”. (EcoDebate)
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