sábado, 28 de julho de 2012

Energia solar e a descentralização da energia

“O Brasil tem um potencial de energia solar e eólica ainda inexplorado”, assinala o engenheiro.
Confira a entrevista.
A notícia de que 15% dos domicílios brasileiros dispõem de energia solar demonstra, na avaliação de Eloy Casagrande Jr., que “o governo começa a reconhecer as energias renováveis como a solar, a eólica e a biomassa. Representa que, de algum modo, o país está saindo desse paradigma da energia de hidrelétrica e termoelétrica”. Segundo ele, o atual momento de transição de energia fóssil para energia renovável exige maiores investimentos em tecnologia, informação, educação, inovação e incentivo no sentido de “criar condições para que essa energia possa ser consolidada”. Tal mudança, assegura, depende da “mão forte” do governo.
Em entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line, o pesquisador assinala que os investimentos atuais apontam para a energia descentralizada no futuro. “A última resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel sinaliza para que os consumidores, a partir de 2013, possam instalar uma regulamentação para energia fotovoltaica, energia eólica e energia de biomassa, ou seja, para que possam instalar minigeradores, microgeradores nas suas casas, nos escritórios, no hospital, em escolas e, a partir disso, estar conectados à rede”.
Eloy Casagrande Jr. é doutor em Engenharia de Recursos Minerais e Meio Ambiente, pela University of Nottingham, e pós-doutor em Inovação Tecnológica e Sustentabilidade, pelo Instituto Superior Técnico – IST, Lisboa. Atualmente é professor na Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O Ministério de Minas e Energia divulgou que 15% dos domicílios brasileiros já dispõem de energia solar. O que esse percentual significa em termos de investimento em energia renovável?
Eloy Casagrande Jr. – Significa muito à medida que o governo começa a reconhecer as energias renováveis como a solar, a eólica e a biomassa. Representa que, de algum modo, o país está saindo desse paradigma da energia de hidrelétrica e termoelétrica. O investimento nas energias renováveis contribui para a redução de emissões, para uma maior eficiência energética, gerando menos gastos à sociedade. Então, o governo poderia aumentar, como fizeram em outros países, a linha de apoio através de isenções fiscais, através de linhas de financiamento especiais, porque, com esse tipo de apoio, se consegue que novas tecnologias entrem no mercado com mais força, possibilitando o acesso aos consumidores.
IHU On-Line – Por que o investimento em energia solar ainda é baixo, visto que o país possui os recursos necessários? Como entender a falta de incentivo para a produção de energia alternativa no Brasil, como a energia solar, por exemplo?
Eloy Casagrande Jr. – O Brasil tem um potencial de energia solar e eólica ainda inexplorado. De fato, há uma baixa geração comparada ao potencial brasileiro. Nesse sentido, ainda há um caminho longo para percorrer em termos de desenvolvimento, tecnologia, know-how, criação de mais empregos etc. Quando um país começa a sair do paradigma de uma energia poluente, como a energia baseada no combustível fóssil, e passa a investir em uma energia como a renovável, tem que investir em informação, educação, inovação, e precisa criar condições para que essa energia possa ser consolidada no mercado. Vejo que em todos os países isso acontece através de ações do governo. Não se pode deixar o mercado atuar sem nenhum tipo de apoio. Há de ter aí a “mão forte” do governo para isso acontecer.
IHU On-Line – A proposta para a ampliação da energia solar consiste em investir em um modelo de energia descentralizado ou num modelo centralizado?
Eloy Casagrande Jr. – Os investimentos apontam para a energia descentralizada. A última resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel sinaliza para que os consumidores, a partir de 2013, possam instalar uma regulamentação para energia fotovoltaica, energia eólica e energia de biomassa, ou seja, para que possam instalar minigeradores, microgeradores nas suas casas, nos escritórios, no hospital, numa escola, e a partir disso estar conectados à rede. Vamos nos tornar todos distribuidores de energia. Esse é um modelo que já existe fora do Brasil há muitos anos. Ao investir nesse modelo, se tem a possibilidade de reduzir os custos da instalação, por exemplo, de painéis fotovoltaicos, que ainda necessitam das baterias. Além disso, ao produzir essa energia que não será consumida, será possível trocá-la por crédito de energia da rede, para utilizar a energia em momentos em que não há sol, como à noite. Nesse sentido, percebe-se que há uma tendência clara para descentralizar a energia. Evidentemente, não se trata de grandes geradores, mas já é um avanço.
IHU On-Line – Quais os desafios em relação à energia solar no país? É possível garantir a eficiência energética investindo somente em energias renováveis?
Eloy Casagrande Jr. – Temos que olhar a energia do ponto de vista sistêmico. Qualquer geração de energia do futuro vai ter que ser composta de diversas fontes. Não se pode, por exemplo, depender somente da energia oriunda de hidrelétricas, pois basta não chover por um período e ficaremos sem energia. Então, a matriz energética tem de oferecer um conjunto de ofertas de energia, que possam suprir as deficiências de cada uma.
Quando se discute a matriz energética, não se trata de dizer que a melhor energia é a hidrelétrica, a solar ou a eólica. O conjunto delas, associado a um bom programa de eficiência energética, o qual o Brasil precisa assumir, traria resultados. Ainda há muito o que fazer em relação às perdas de distribuição, em relação à melhoria dos equipamentos e dos produtos que utilizam energia elétrica, como os eletrodomésticos. As próprias construções também podem ser um alvo de estudo em posição de maior eficiência energética. Na Universidade Federal do Paraná, por exemplo, realizamos o projeto do “escritório verde”, que aponta um conjunto de soluções para maior eficiência energética e uso racional da energia. Entre as propostas, estuda-se o isolamento térmico de futuras casas, com vidros e paredes duplas, com iluminação natural, com energia solar e com lâmpadas leves. Então, é esse conjunto de tecnologias e equipamentos que vai determinar o quanto de energia será possível dispor no futuro, trazendo economia.
IHU On-Line – A energia solar seria positiva no sentido de não permitir perda de energia na distribuição?
Eloy Casagrande Jr. – Perde-se muita energia na distribuição de energia elétrica para as fontes consumidoras. A energia solar descentralizada é direta, pois se conectam painéis que estão numa determinada residência à rede, e se estabelece uma rede de energia na própria residência. Então, de fato, não se tem perda de energia nesse sentido.
No caso da distribuição das energias hidrelétrica, termoelétrica e nuclear, há muitas perdas de energia. Isso tem de ser corrigido, tem que haver maiores investimentos nessas áreas.
IHU On-Line – Como o senhor avalia esse investimento maciço do governo na construção de novas hidrelétricas para os próximos anos? Considerando a necessidade de investir em energias renováveis, a política do governo está no caminho certo?
Eloy Casagrande Jr. – A construção de novas hidrelétricas é discutível, porque ainda se investe bastante neste modelo sem pensar nas outras fontes. Então, o Brasil ainda depende muito desse tipo de energia e, como disse antes, sem corrigir os erros que existem no próprio modelo de matriz energética brasileira. Corrigindo esses erros e investindo em energias renováveis, poderíamos reduzir os custos sociais, ambientais e econômicos que implicam na construção de novas hidrelétrica. Hoje, a construção de hidrelétricas é causa de um grande debate entre os ambientalistas, por causa das áreas indígenas que serão afetadas, das áreas agrícolas que serão alagadas, das populações que serão deslocadas. Tudo isso poderia ter sido evitado caso houvesse um planejamento. É um problema o fato desses projetos saírem direto de Brasília, sem passar por uma consulta mais ampla com a sociedade.
IHU On-Line – É possível vislumbrar a geração de energia descentralizada e autossuficiente no futuro?
Eloy Casagrande Jr. – Não sei se vamos ver um modelo energético autossuficiente no futuro, mas podemos encaminhar para não sermos tão dependentes de um modelo centralizado. Claro que isso mexe com grandes negócios, mexe com grandes lobbys, que estão envolvidos com a energia elétrica, desde que ela se tornou uma commodity que capta, concentra e vende a energia. Essas empresas de energia elétrica têm ações na bolsa de valores. Energia virou um produto que precisa render. Essa visão também já nos traz uma visão mercantilista da energia.
No futuro até podemos discutir essa visão, mas hoje é o modelo que temos: existem grandes interesses econômicos ao redor de tudo isso, e se formos fazer uma retrospectiva histórica da construção das hidrelétricas no Brasil, veremos que elas são as mesmas construtoras que constroem as hidrelétricas de hoje.
IHU On-Line – Quais as novidades e desafios atuais envolvendo as pesquisas com energia solar fotovoltaica, célula solar fotovoltaica, geração descentralizada de energia e painéis fotovoltaicos?
Eloy Casagrande Jr. – Tem-se buscado melhorar muito a eficiência das células fotovoltaicas, que são feitas à base do silício, investigando-se novos materiais. As células fotovoltaicas têm uma baixa eficiência, por isso é preciso uma área grande de painéis, telhados para captar a luz solar. Tem se investido muito em pesquisas, e espero que, num futuro próximo, ainda possamos conhecer células fotovoltaicas mais eficientes. Tem-se investido também na questão dos modelos de geradores eólicos, e já se têm geradores de grande potência e geradores de menor potência em nível residencial. Com a resolução da Aneel, o uso dessas tecnologias tendem a avançar.
Também estão surgindo pesquisas de telhas solares que possibilitarão substituir painéis solares. As próprias telhas das casas poderão conter células fotovoltaicas. Também estão surgindo painéis de fachada, que complementam a estética de um prédio e que fazem a captação de células fotovoltaicas. Há muita coisa nova. A tendência é, entre cinco ou dez anos, ter um mercado muito mais atraente para o consumidor. (EcoDebate)

Nenhum comentário: