Você já imaginou uma casa que busca o equilíbrio entre
tecnologia e meio ambiente, projetada para ter o melhor aproveitamento das
condições climáticas locais? Uma construção que faz aproveitamento e reuso de
água, com tratamento de efluentes? Que tem aquecimento solar da água e possui
sistema fotovoltaico para geração de energia? Que faz uso de materiais locais,
renováveis e de menor impacto ambiental? Na qual o projeto paisagístico
privilegia o uso de espécies nativas em vias de extinção e espécies frutíferas?
Imaginou tudo num mesmo projeto e trabalhando de forma inter-relacionada?
Esta casa já existe e está na sua fase final de construção
no terreno da Eletrosul, em Florianópolis (SC). A Casa Eficiente – como é
chamado informalmente o Centro de Demonstração de Eficiência Energética em
Habitação Unifamiliar – foi projetada para atender ao padrão de uso residencial
para uma família de quatro pessoas, com sistemas e soluções para máxima
eficiência energética e conforto térmico integrados ao projeto arquitetônico. A
estrutura desenvolvida tem 206,5 m2, com dois quartos, uma sala, uma sala de
jantar, uma cozinha, uma área de serviço coberta, um banheiro e uma área para
recepção.
Conceitos de eficiência energética, conforto ambiental e
sustentabilidade estão presentes desde o início da concepção do projeto, que
priorizou soluções arquitetônicas que proporcionem o máximo aproveitamento
energético nas condições opostas de inverno e verão. “Para um projeto como
este, a premissa básica é que a edificação seja adaptada às condições do clima.
Que se identifiquem quais são as exigências, as estratégias adequadas. Este é o
passo fundamental para que se consiga um bom desempenho”, diz Juliana Batista,
arquiteta e supervisora do Projeto Casa Eficiente. As soluções deste projeto
são conseqüência do clima diferenciado e bem característico da região sul, com
as quatro estações bem definidas.
As obras tiveram início em 10 de janeiro de 2005 e tem
previsão de término para julho desse ano. O projeto da Casa Eficiente será uma
referência nacional para a disseminação destes conceitos, não só para a
comunidade acadêmica como para os profissionais que atuam no mercado da
construção civil e setor elétrico. “Para que um projeto seja realmente sustentável,
é preciso levar em consideração o impacto sobre as gerações futuras. Os
principais aspectos a serem ponderados no ambiente construído são o uso da
energia e da água, materiais, emissão de poluentes e o transporte. É preciso
incentivar mudanças nas práticas construtivas”, afirma Milton Mendes,
presidente da Eletrosul.
Projeto arquitetônico
Estrategicamente, o projeto arquitetônico foi baseado em
estudo aprofundado dos condicionantes climáticos locais, como orientação solar,
radiação, temperatura do ar, umidade relativa, sombreamento de elementos
externos e ventos. As soluções deste projeto estão voltadas para o melhor
aproveitamento do clima da região litorânea de Santa Catarina. A casa utilizará
tecnologias de geração de energia fotovoltaica interligada a rede elétrica,
estratégias passivas de condicionamento de ar e aquecimento solar de água.
A cobertura é um elemento de grande influência nos ganhos e
perdas térmicos de uma residência. Por este motivo foi utilizado isolamento
térmico no telhado e inércia térmica nas paredes, para amortecer o fluxo de
calor do exterior para o interior da edificação e vice-versa. As paredes
externas da casa são duplas, com tijolos maciços revestidos com lã de rocha -
material isolante que não deixa passar nem frio, nem calor. Também foram
utilizadas esquadrias de vidro duplo para o isolamento térmico das vedações e
persianas externas de madeira para sombreamento diurno e ventilação noturna. No
teto, as coberturas possuem uma camada interna de lã de rocha e isolamento
refletivo fixada sobre o forro para preservar o conforto térmico.
A casa é toda climatizada e está estrategicamente
posicionada para aproveitar a luz e o sol o ano todo. O telhado tem coletores
solares que aquecem a água e placas fotovoltaicas que transformam a radiação
solar em energia elétrica. As placas são de silício amorfo, sobrepostas sobre a
face norte do telhado da sala, que possui inclinação adequada para o melhor
rendimento das placas nesta latitude. O sistema solar aquece a água do chuveiro
e torneiras. Há também o sistema de aquecimento dos quartos, que reutiliza a
água das pias, lavatórios e tanque de lavar roupa. “Essa água é encaminhada
para um reservatório, aquecida pelo sistema solar e então encaminhada para uma
tubulação feita de cobre, que passa nos quartos, num ambiente próximo ao
rodapé. A temperatura desta água será controlada e o calor desta tubulação será
transmitido para o ambiente, para fazer o aquecimento dos quartos. Sensores
fazem a interrupção do fluxo de água aquecida quando a temperatura atinge o
desejado”, diz a supervisora do projeto.
Na Casa Eficiente são utilizadas também soluções simples,
que criam um ambiente agradável e que não consomem energia elétrica. Há um
fogão a lenha para o aquecimento no inverno e a distribuição adequada das
janelas, que privilegiam a ventilação cruzada em todos os ambientes de maior
permanência no verão. Há áreas de sombra para controlar o calor e barreiras
naturais contra os ventos do inverno. Além disso, é utilizado um sistema de
insulflamento de ar externo no período noturno, para o resfriamento dos quartos
no verão. “Desde a concepção do projeto é necessário pensar na eficiência
energética. Favorecer o uso de estratégias passivas de ventilação e a máxima
exploração da iluminação natural são conceitos que devem fazer parte da
elaboração do projeto”, diz Juliana Batista.
Segundo o doutor George Soares, chefe do departamento de
Projetos Especiais do Procel - Núcleo de Edificações, esses procedimentos
diminuem os gastos com energia. “O Procel tem estudos que indicam que se forem
utilizadas estas técnicas de eficiência energética e bioclimática nas
edificações, desde o princípio do projeto, será gasto 48% menos energia
elétrica para climatização e iluminação do que numa casa normal que não utiliza
estes princípios”.
Seleção dos materiais
Durante o projeto foram feitas pesquisas sobre materiais de
baixo impacto ambiental, de reaproveitamento ou de reciclagem. Buscou-se adotar
materiais que permitissem a aplicação em seu estado natural de cor e
características físicas, estabelecendo uma linguagem com a natureza, procurando
empregar conceitos de arquitetura orgânica.
Optou-se pelo uso de telhas e tijolos maciços cerâmicos
aparentes que são abundantes na região de Santa Catarina, o que incentiva a
produção local e diminui gastos energéticos com transporte. Foram utilizadas
também peças de pinus laminado na estrutura principal da cobertura da casa,
peças de pinus autoclavado (processo que aumenta a resistência da madeira) no
restante da cobertura e portas internas, e eucalipto autoclavado no deck,
passarela, proteção das janelas e caramanchão.
Também foi utilizado resíduo na construção da rampa da casa,
que é toda de concreto. “No local da construção era um antigo estacionamento.
Removeram uma parte do piso de cimento, o material foi britado e se transformou
em cimento novamente. Isto pensando no conceito da sustentabilidade, quando se
pode reutilizar coisas que já foram utilizadas e que realmente vão reduzir o
impacto”, diz a supervisora.
Equipamentos e acessórios econômicos
Associada à edificação da casa está também o uso de
aparelhos eficientes. Serão utilizados equipamentos com os melhores índices de
rendimento energético, ou seja, os que consomem menos energia. “Como é o caso
das lâmpadas incandescente e das lâmpadas fluorescentes compactas. Elas têm o
mesmo potencial de iluminação, mas consomem energia de forma bastante
diferenciada. Não só na parte de iluminação, mas todos os equipamentos
empregados na casa terão selo A do Procel, que caracteriza os aparelhos com
melhor desempenho energético”, afirma George Soares.
Foram adotadas soluções para o uso racional da água, como
instalações hidráulicas que utilizam peças econômicas. Todos os metais, louças
e acessórios empregados na casa foram selecionados para reduzir os volumes ou
evitar desperdício. “Torneiras com arejadores evitam que a água seja
desperdiçada porque o fluxo é reduzido. A caixa da descarga também utiliza
menos volume de água. Este tipo de conceito visa o uso racional de recursos”,
afirma Juliana Batista.
Uso racional da água
A casa tem três reservatórios: um para água pluvial, outro
para água potável da rede de abastecimento e outro para efluentes tratados e
reaproveitados. O tratamento biológico dos efluentes por zonas de raízes foi
desenvolvido especialmente para o projeto. São dois tanques biológicos que
recebem separadamente os efluentes. A água da pia da cozinha, do banheiro e do
chuveiro, que pode ser reutilizada para a irrigação do jardim ou no sistema de
aquecimento dos quartos, vai para um dos tanques. A água do vaso sanitário vai
para outro tanque, onde é tratado biologicamente e depois descartado na rede
pública. O tratamento por zona de raízes constitui-se, basicamente, na
utilização de uma espécie vegetal que apresenta a característica de liberar
oxigênio por suas raízes, reduzindo a carga orgânica do efluente. “Este sistema
possibilita o tratamento local do esgoto doméstico evitando a poluição de
cursos e fontes d’água, e também, o seu reaproveitamento em atividades não
potáveis. Além disso, é um sistema basicamente biológico, sem o uso de energia,
agentes químicos ou equipamentos mecânicos e ainda, por não produzir metano,
característico de processos anaeróbios, evita-se o mau odor”, diz a
supervisora.
A Casa Eficiente possui um sistema de coleta de água através
de calhas. A água da chuva é coletada, filtrada, armazenada e reaproveitada na
descarga sanitária, tanque e máquina de lavar roupa. Também serve como
suprimento alternativo para a caixa d’água destinada ao sistema de aquecimento
dos quartos e irrigação do jardim. Ela só não é usada para o consumo humano.
“Há uma solução inovadora com relação à captação da água da chuva no telhado:
foi desenvolvido um sistema especialmente para este projeto, que vai fazer o
descarte da água dos primeiros cinco minutos de chuva e encaminhar a parte
restante para outros usos, que não precisam de água potável. Não existe ainda,
pelo menos que a gente tenha conhecimento, nenhum sistema que faça este tipo de
separação. A água do início da chuva não pode ser utilizada porque lavou o
telhado, contém impurezas”, diz Juliana Batista.
Monitoramento
A tecnologia mais moderna utilizada na casa é a verificação
do potencial de eficiência energética através do monitoramento ambiental e de
consumo, que começará a ser feito após a finalização da construção. Serão
usados sensores de temperatura nas paredes, no piso e na cobertura, para medir
o fluxo de calor que passará através destas estruturas. Sensores que também
verificam o nível de iluminação e velocidade do ar diariamente. Serão medidas
as variáveis ambientais internas e externas, de consumo de energia por uso
final e fluxos de calor através das vedações. Terá uma estação meteorológica
medindo o clima externo e um sistema computadorizado controlará tudo. “Esta
será uma oportunidade para que os pesquisadores e profissionais interessados
possam verificar in loco, numa estrutura realmente construída e
funcionando. Poderá ser observado qual é o desempenho de todas estas
estratégias, que na teoria são recomendáveis, mas precisam ser comprovadas na
prática. Várias pesquisas foram desenvolvidas, possuem apoio na literatura.
Agora temos a oportunidade de poder comprovar e verificar o quanto de positivo
a adoção destas estratégias pode ser”, diz o engenheiro Roberto Lambert,
coordenador do projeto pela Universidade Federal de Santa Catarina. Os dados do
monitoramento termo energético serão disponibilizados eletronicamente através
do site do projeto, dando suporte às atividades de ensino e pesquisa.
Casa aberta
No projeto Casa Eficiente todas as soluções e sistemas
poderão ser observados em visitações. Por isso, todos os ambientes foram
projetados para permitir uma boa acessibilidade aos visitantes, incluindo
pessoas com necessidades especiais. A maioria das instalações elétricas e
hidráulicas é aparente, o que diminui futuros gastos com reformas e torna
possível ao visitante entender melhor os sistemas. “A casa terá um efeito
didático importante. Faremos com que ela possa ser televisitada por quem não
está em Florianópolis, através do portal que pode ser acessado por diferentes
públicos. Tanto para crianças, quanto para leigos, acadêmicos e técnicos, com
detalhes específicos das tecnologias usadas’, diz Roberto Lambert.
A ideia é fazer publicações mais condensadas sobre cada uma das tecnologias utilizadas, para que as pessoas entendam que elas podem fazer por elas mesmas. “Estas informações não serão comercializadas, pois entendemos que são de domínio público. É dinheiro público sendo usados para o bem público”, afirma o engenheiro.
A ideia é fazer publicações mais condensadas sobre cada uma das tecnologias utilizadas, para que as pessoas entendam que elas podem fazer por elas mesmas. “Estas informações não serão comercializadas, pois entendemos que são de domínio público. É dinheiro público sendo usados para o bem público”, afirma o engenheiro.
A Casa Eficiente deverá ser uma vitrine de tecnologias de
ponta voltadas para edificações, com intuito de disseminar os conceitos de
eficiência energética, conforto térmico e consciência ambiental, não só para a
comunidade acadêmica como para os profissionais que atuam no mercado da
construção civil e setor elétrico. A casa é resultado de uma parceria entre a
Eletrosul (Eletrosul Centrais Elétricas S.A.), UFSC (Universidade Federal de
Santa Catarina) / Labieee (Laboratório de Eficiência Energética em Edificações)
e Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras S.A.), através do Procel (Programa
Nacional de Conservação de Energia Elétrica). (ecoterrabrasil)
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