quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A outra face do etanol

No ano da França no Brasil, filmes mostram problemas nos dois países
Por trás das pomposas comemorações do ano da França no Brasil, uma pequena sala do Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, deu espaço a discussões que expunham os principais problemas sociais dos dois países.
Fruto de uma parceria da Refinaria Filmes com a ONG francesa Autres Brésils, a Mostra Social em Movimentos trouxe ao Rio de Janeiro cinco filmes franceses e três brasileiros que abordam as experiências e soluções encontradas por ambos os países para seus problemas sociais.
Alguns filmes exibidos retratam problemas que a sociedade francesa e brasileira está longe de resolver. É o caso do documentário brasileiro "Migrantes", sobre o êxodo de nordestinos para São Paulo, em busca de empregos no corte de cana. Dirigido pelo pesquisador da UFRJ, José Roberto Novaes, o filme faz parte do projeto "Educação através das imagens", que tem o objetivo de divulgar pesquisas acadêmicas por meio de documentários.
Após acompanhar por quase um ano a rotina dos cortadores de cana, o resultado é um triste bastidor do estímulo à monocultura e à produção de etanol no Brasil.
Um a um, os cortadores dão seus depoimentos e dissecam a realidade que há por trás do setor sucroalcooleiro no país. Mortes precoces, péssimas condições de trabalho e situação de quase escravidão são apenas alguns exemplos das vivências narradas.
São histórias como a de Marilza, que perdeu o marido de 32 anos repentinamente, em dia comum de trabalho, após sentir as cãibras que todos citam como normais.
Segundo Novaes, o maior objetivo do filme foi um convite à reflexão sobre a produção de etanol: - Vemos apenas as vantagens econômicas, mas há outra ótica. A extremidade das péssimas condições de trabalho é a morte, mas os trabalhadores precisam cortar cerca de dez toneladas de cana por dia para receber só R$ 2,70 por tonelada. Muitos já chegam endividados.
O filme "Migrantes" foi exibido no mesmo dia do também documentário francês "A travessia", que aborda um grande problema na sociedade francesa: a relação com os imigrantes. Ambos os filmes retratam as dificuldades vividas por quem sai de seu local de origem em busca de uma vida melhor. Dirigido por Elisabeth Leuvrey, "A travessia" não trata tanto do desgaste físico (como acontece com os cortadores de cana), mas sim de um dilema existencial, já que os imigrantes argelinos, personagens do filme, não encontram seu lugar na França.
Os filmes não estão previstos em nenhum outro festival brasileiro, mas para outras exibições pode-se buscar Tatiana Milanez, da ONG Autres Brésils, pelo e-mail: tatiana@utresbresils.net
Um olhar demasiado humano sobre o trabalho
Os olhares concentrados, os gestos repetitivos e o silêncio dos operários que trabalham numa linha de montagem de automóveis chamam a atenção de quem assiste ao documentário "Humain, trop Humain", de Louis Malle. O filme produzido em 1974 tem a maior parte de suas cenas na fábrica francesa da Citröen. O outro cenário é o Salão do Automóvel em Paris, onde os olhares curiosos, a movimentação intensa e o barulho que fazem vendedores e compradores de carros promovem um grande contraste.
O filme não tem narração e até mesmo recusa a fala ao praticamente radiografar o trabalho dos operários. Se, para o cineasta francês, o documentário era uma forma de pesquisar a humanidade, nessa obra ele dá um bom exemplo disso sem retoques.
O documentário tem o mesmo título de livro de Nietzsche ("Humano, demasiado Humano"), em que ele pensa nas tarefas aceitas pelos homens e na consequência dessas escolhas ou imposições para cada um e para a sociedade. O que Malle traduz em imagens, o filósofo registra em palavras: o conceito de espírito livre, de quem pensa de forma diferente do esperado. Publicado em 1878, foi o primeiro livro dele após o rompimento com o romantismo.
Louis Malle (1932-1955) foi contemporâneo de cineastas como Truffaut e Goddard, mas não era aceito pelo grupo por não se adaptar a dogmas estéticos. Mas se projetou internacionalmente, firmando carreira nos Estados Unidos, com filmes que tinham como alvos principais os costumes burgueses e tocaram em temas como liberação feminina, suicídio, incesto e pedofilia. Com o pesquisador Jacques Cousteau, fez o documentário "O Mundo do Silêncio", vencedor do Oscar e da Palma de Ouro em 1956. Sete documentários de Louis Malle fazem parte da 14ª edição da mostra É Tudo Verdade Festival Internacional de Documentários, que começou ontem e termina dia 7 na Cinemateca Brasileira de São Paulo e vai de 4 a 12 de setembro no Instituto Moreira Salles, na Gávea, no Rio.

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